Espanha estima em 233 mil o número de crianças abusadas por líderes católicos

MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Um documento de 779 páginas divulgado nesta sexta (27) pelo governo da Espanha estima que 1,13% da população do país tenha sofrido abusos sexuais em âmbito religioso nos últimos 80 anos.

O relatório não fornece números absolutos, mas, segundo cálculos do jornal espanhol El País, as vítimas chegam a 440 mil crianças. Desse total, 233 mil sofreram abuso direto por membros do clero como padres ou sacerdotes. Outros 207 mil foram perpetrados por funcionários de igrejas ou de escolas religiosas.

A Igreja Católica tem sido abalada nos últimos 20 anos por uma série de escândalos em todo o mundo, muitos de abuso sexual contra crianças. Na Espanha, um país tradicionalmente católico, mas que vem se tornando cada vez menos ligado à fé cristã, as acusações de abusos só começaram a aparecer nos últimos cinco anos, sendo inicialmente negadas pelo alto clero.

Em 2021, por exemplo, a França calculou em 330 mil o número de vítimas (200 mil abusos cometidos por padres), ou 0,5% de sua população. Assim, ter mais que 1% da população vítima de abuso em contexto religioso deixa a Espanha na péssima posição de país mais atingido pelo problema em todo o mundo.

Para chegar a essa porcentagem de abusados, o trabalho ouviu 8.013 espanhóis e espanholas. Os dados também revelaram que as vítimas dos padres e sacerdotes são meninos em dois terços das vezes.

O documento também é o primeiro estudo oficial do governo a se debruçar sobre abusos da Igreja. O texto, encomendado há um ano meio pelo congresso, é de autoria de Ángel Gabilondo, o “defensor del pueblo”, um cargo inspirado no ombudsman sueco que foi instituído na Espanha na Constituição de 1978.

“Nem todos os bispos colaboraram, alguns nos repreenderam”, disse Gabilondo ao apresentar o “Relatório Sobre o Abuso Sexual na Igreja Católica e o Papel dos Poderes Públicos: Uma Resposta Necessária” ao Congresso. Ele foi bastante crítico à falta de colaboração do clero: “Espero que tenham se conscientizado que o maior escândalo seria não colaborar com esta sociedade que quer saber.”

Trechos do documento também falam dessa falta de colaboração. “A resposta da Igreja Católica, pelo menos a nível oficial, tem sido caracterizada há muito tempo pela negação ou minimização do problema”, afirma o relatório. A resposta da Conferência Episcopal Espanhola ao pedido de informação “ainda reflete uma atitude caracterizada pela cautela e relutância”.

“Acima de um desejo declarado de colaboração, os dados têm sido apresentados de uma forma que tendem a minimizar o fenômeno e relegá-lo a um aspecto marginal dentro da instituição, enfatizando a dimensão social do problema e evitando abordar os fatores internos que podem favorecer a dinâmica de abuso e de encobrimento”, continua o texto.

O documento alega que o “argumento defensivo de que a investigação deveria ser alargada aos abusos sexuais noutras áreas esquece ou minimiza a relevância social da igreja e do seu poder na Espanha durante grande parte do século 20”. Além disso, observa que “certas atitudes foram detectadas em alguns episcopados que indicam uma relutância em reconhecer e investigar casos de abuso”.

Como exemplo, cita a falta de atenção a algumas denúncias “presumindo de alguma forma que os denunciantes, muitas vezes adultos com mais de 60 anos, tenham um interesse espúrio, em vez de demonstrarem vontade de investigar os casos”.

Em outro momento, destaca que “durante muito tempo, a Igreja Católica percebeu o abuso sexual mais como um pecado do agressor do que como um dano causado à pessoa abusada. Essa concepção foi superada, embora apenas recentemente”.

Da Bélgica, onde participa de um encontro de líderes europeus, o premiê Pedro Sánchez veio a público comentar o relatório, destacando que o trabalho ajuda a esclarecer “uma realidade que todos conheciam, mas da qual ninguém falava”.

Ele garantiu que sua equipe irá agora estudar as recomendações feitas pelo departamento de Ángel Gabilondo no seu relatório, entre as quais se destaca a criação de um fundo estatal para compensar as vítimas de abusos. “Este não é o último dia, é o primeiro”, disse Sánchez. Aplaudiu ainda o trabalho “respeitoso com as vítimas” e afirmou que “hoje a nossa democracia está um pouco melhor”.

IVAN FINOTTI / Folhapress

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