MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – A Espanha se prepara para construir nas Ilhas Canárias a primeira granja submarina de polvos do mundo. A iniciativa da empresa Nueva Pescanova pretende fornecer, por volta de 2030, 1% de todo o polvo consumido pelo planeta.
Atualmente, são pescados e comidos entre 300 mil e 400 mil toneladas de polvo a cada ano. Todos esses são polvos selvagens, retirados diretamente dos mares por pequenos pescadores ou grandes empresas.
No fundo, a fazenda submarina tem uma enorme ambição: domesticar a espécie e transformar a nossa relação com esses cefalópodes em algo parecido à que a humanidade tem há milhares de anos com os porcos ou com o gado. A ideia, é claro, vem suscitando enormes polêmicas entre ativistas e parte dos cientistas.
As pesquisas já vêm sendo feitas há cerca de cinco anos pela empresa em seu Centro Biomarinho Pescanova na Galícia, no noroeste da Espanha. Segundo o diretor de aquicultura da empresa, Roberto Romero Pérez, os cientistas já chegaram à quinta geração de polvos nascidos em suas piscinas artificiais.
“Isso significa que os animais atuais já são os tataranetos daqueles que capturamos no meio selvagem para a primeira reprodução”, afirmou Pérez em entrevista à reportagem. “Por cinco vezes conseguimos que eles se reproduzissem no centro. Quer dizer que já temos tecnologia suficiente para não depender de animais do meio selvagem para o cultivo, por assim dizer, industrial. O que significa uma cultura sustentável.”
A granja está totalmente projetada, com quatro tipos de piscinas para as diferentes fases de crescimento dos cefalópodes, e está agora à espera das licenças fornecidas pelo governo das Ilhas Canárias, uma comunidade autônoma espanhola em frente ao litoral sul de Marrocos. O custo para erguer a fazenda, que deve demorar dois anos, está estimado em EUR 65 milhões (R$ 340 milhões)
A intenção, conta o diretor, é chegar a 3.000 toneladas de polvo por ano a partir do quarto ano de atividade, iniciando com 500 toneladas no ano da inauguração, talvez em 2026 ou 2027. Para produzir 3.000 toneladas de carne, são necessários cerca de um milhão de polvos.
A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) informa que, em 2018, foram consumidas 377 mil toneladas de polvo selvagem, que vem caindo devido à escassez provocada pela indústria pesqueira. Mais de 50% dessa produção proveio da China, México e Marrocos.
Na Espanha, importa-se 80% do polvo consumido e apenas 20% é pescado no país. A pesquisa da Nueva Pescanova tem colaboração de outros oito centros de investigação e universidades da Espanha, Portugal e México.
“Há quarenta anos, o polvo na Galícia era uma comida quase de pobre, não era muito apreciada. Mas nos últimos anos, se converteu num artigo quase de luxo. Primeiro porque há menos polvo e segundo porque alguns países que não o tinham em sua cultura gastronômica começaram a comê-lo. Por exemplo, os EUA, o que aumentou muito a demanda mundial”, disse Pérez.
A reprodução não é rápida, uma vez que o Octopus vulgaris, das costas da Espanha, atinge a maturidade sexual depois de um ano. “Essa espécie vive no máximo dois anos. Logo após reproduzir a primeira vez, morre. A fêmea, após ser fecundada, põe os ovos e fica sem comer, apenas limpando e protegendo o ninho de predadores até que as larvas saiam dos ovos. Isso também acontece em nosso ciclo de cultivo.”
“No nosso centro de experimentação, estamos tentando fazer o mesmo que acontece na natureza, mas em condições controladas de temperatura, de qualidade de água, de oxigênio, de alimentação etc. O que não é fácil, porque muitos aspectos do ciclo dos cefalópodes ainda são desconhecidos pela ciência.”
As críticas ao projeto da Pescanova são várias e começaram em 2021, assim que a empresa começou a enviar documentação para que as autoridades autorizassem a construção da fazenda. Em fevereiro de 2022, a porta-voz do Partido Animalista contra o Mau Trato Animal (Pacma) se posicionou, citando um estudo da London School of Economics and Political Science.
“Os polvos são animais sencientes [capacidade de sentir sensações e sentimentos de forma consciente], inteligentes e solitários”, disse Iris Sánchez, acrescentando que a granja irá “condená-los a viver em um espaço reduzido e limitado junto a outros indivíduos, como todos os danos psicológicos e físicos que isso possa causar”.
“Creio que eles estão atribuindo qualidades humanas aos animais”, respondeu Roberto Pérez. “O polvo tem uma série de características muito chamativas para nós. Quando o polvo resolve determinados problemas na natureza, não significa que é inteligente, mas que tem habilidades adquiridas em sua história evolutiva, como todos os outros animais. Um dos grandes pontos para a biologia considerar um animal inteligente é ter um sistema nervoso central, como nos mamíferos, e o polvo não tem.”
Em relação ao espaço, Pérez diz que, de fato, os polvos na natureza agem segundo o princípio de territorialidade, mas que isso mudou de forma natural quando eles passaram a conviver nas piscinas.
“A bibliografia científica diz que animais selvagens, quando colocados em condições de cultivo com condições ótimas –principalmente de disponibilidade de alimento–, se adaptam para comportamentos que não têm na natureza”, afirmou.
“O animal reage de forma diferente e não compete com os colegas. Esses animais nunca viram um predador em suas vidas. Portanto, vemos em nossas instalações que eles são capazes de conviver de forma totalmente pacífica.”
Ativistas, que fizeram manifestações contrárias nas Canárias, denunciaram ainda que a empresa pretende criar entre 10 e 15 polvos por metro cúbico, o que Pérez admitiu à reportagem como correto. No entanto, disse ele, esse número é uma consequência de toda a pesquisa, que estudou até que ponto os animais poderiam viver juntos sem que isso afetasse seu bem-estar e crescimento.
Outro ponto polêmico é a forma de sacrifício dos polvos em uma fazenda controlada. Ativistas têm dito que colocar os animais em água gelada para morrer é extremamente lento e cruel. No entanto, Pérez afirmou que isso não é uma opção.
“A legislação europeia, que estamos obrigados a cumprir, permite três métodos de sacrifício para animais em cativeiro no continente: golpe na cabeça, choque elétrico ou imersão em gelo. A imersão em água gelada é um método amplamente utilizado na aquicultura de todo o mundo e os estudos dizem que o animal fica letárgico ao entrar em contato com a água próxima de 0º C e morre em alguns minutos.”
Atenção, spoiler! Se você for contra o sacrifício de animais para consumo humano, não leia os próximos parágrafos.
Como bom galego, Pérez dividiu sua receita preferida de polvo, ou pulpo, em espanhol. “Na Galícia, temos o pulpo a feira, que é cozido e depois cortado e leva azeite, sal e páprica. Tem esse nome porque se vendia nas feiras de pescado, um prato muito típico.”
“Pode acompanhar batatas cozidas, que levam os mesmos ingredientes. Minha avó costumava cozinhar as batatas na mesma água, depois de cozinhar o polvo. Fora de Madri, esse prato se chama pulpo à galega”, arrematou.
IVAN FINOTTI / Folhapress