Espetáculo ‘Dora’ conta história de guerrilheira citada por Dilma Rousseff

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As cartas trocadas entre a guerrilheira Maria Auxiliadora Lara Barcellos e a mãe, a dona de casa Cléria Lara Barcellos, são a base do espetáculo “Dora”, escrito, dirigido e estrelado por Sara Antunes e em cartaz no Tusp Butantã.

Dora, como a guerrilheira era conhecida, estava no exílio quando escrevia para a mãe. Presa e torturada durante a ditadura militar, foi banida do Brasil em janeiro de 1971, no episódio do sequestro do embaixador suíço Giovanni Enrico Bucher, trocado por prisioneiros políticos.

Em uma performance emocionada, a atriz retoma a trajetória da estudante de medicina que não resistiu ao martírio do banimento e às lembranças da violência no cárcere. Dora morreu em 1976, aos 31 anos, ao atirar-se nos trilhos de uma estação de metrô em Berlim, na Alemanha.

Havia pedido autorização para voltar ao Brasil, aflita com a distância e com as saudades, mas morreu sem obter uma resposta da embaixada na Alemanha.

Sara Antunes entrou em contato com essa história durante o processo de preparação para a peça “Guerrilheiras ou para Terra Não Há Desaparecidos”, que contou a história de 12 mulheres mortas na Guerrilha do Araguaia.

“Eu estava grávida de oito meses e tive meu filho durante o processo. Então pensei muito na relação das mães com as guerrilheiras e um dia trouxe o Hino à Bandeira numa das cenas”, lembra a atriz.

Alguns meses depois, durante teste para o filme “Alma Clandestina”, sobre Dora, ela soube que um texto da guerrilheira terminava com o hino e teve a sensação de que havia um cochicho entre elas.

A filmagem aproximou Sara de Dora e trouxe reflexões sobre questões de gênero que não são abrangidas pela biografia cinematográfica. Ela passou a conviver com a família da guerrilheira e teve acesso a cartas trocadas com a família, fotos, documentos e vídeos.

“Sempre senti que os documentos da Dora, quando eu estive durante todos esses anos envolvida em outros projetos, ficavam me olhando, me indagando, numa espécie de ‘quando você vai colocar enfim para estrear?’ Chegou a hora e eu literalmente quero colocá-los em cena” explica Sara.

A trilha sonora inclui músicas da tropicália, Violeta Parra e Torquato Neto, obras que marcaram a época e que Dora ouvia e recomendava.

“Essa peça tem para mim um caráter mais profundo do que a realização de um espetáculo. É mais forte do que isso”, diz a atriz. “Demorou para termos espaço para nascer no palco, mas agora que nasceu, desejo muito fazer”.

O espetáculo já foi apresentado de forma online e teve duas aberturas de processo no Theatro Municipal de São Paulo e na Mostra de Direitos Humanos de João Pessoa.

Uma das forças da montagem são os áudios da mãe, Clélia. Ela descreve a militância da filha, fala sobre a prisão, a dor da distância, o suicídio e a volta do corpo para o Brasil, 18 dias após a morte.

“Você, minha filha, teve uma vida curta. Mas viveu intensamente. Viveu mais do que muitos que vivem cem anos. Você fez o que estava no seu coração”, disse a mãe após sepultar Dora. “Aqui é o seu lugar e agora ninguém mais põe a mão em você”.

O espetáculo tem também um áudio da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), que citou Dora na convenção partidária em que assumiu a candidatura ao Palácio do Planalto. As duas foram amigas no período da luta armada contra a ditadura.

“Dodora, você está aqui, no meu coração. Mas também aqui com cada um de nós”, disse.

“É uma conversa geracional entre mulheres, vivas e as que já se foram. Tem uma geração testemunha dessa história que partiu e está partindo. Me sinto convocada a contar essa história”, afirma Sara.

Quando cursava medicina na Universidade Federal de Minas Gerais, Dora trabalhou na área psiquiátrica e no pronto-socorro do Hospital Galba Veloso e começou a brigar por melhores condições aos pacientes.

Era atuante do movimento estudantil e, depois do AI-5, entrou para a luta armada. Fez parte do Colina (Comando de Libertação Nacional), da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária) e da VAR-Palmares. Viveu na clandestinidade, no Rio de Janeiro, até ser presa, em dezembro de 1969.

Nos dois anos de prisão, passou pela Vila Militar, Presídio Feminino de Bangu, Presídio de Linhares e pelo Dops do Rio de Janeiro. Durante o exílio, viveu no Chile, México, França, Bélgica e Alemanha.

“Foram intermináveis dias de Sodoma. Me pisaram, cuspiram, me despedaçaram em mil cacos. Me violentaram nos meus cantos mais íntimos. Foi um tempo sem sorrisos. Um tempo de esgares, de gritos sufocados, um grito no escuro”, escreveu a guerrilheira no texto de memórias no exílio na Alemanha.

Com o uso de projeções e recursos cênicos que permitem um diálogo entre o passado e o presente, Sara tenta juntar os pedaços da mulher morta aos 31 anos e atua para que ela não seja esquecida.

DORA

– Quando Até 3 de novembro. Sextas e sábados às 20h e domingos, às 18h

– Onde Tusp Butantã

– Preço Gratuito

– Autoria Sara Antunes

– Elenco Sara Antunes

– Direção Sara Antunes

CRISTINA CAMARGO / Folhapress

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