BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Uma proposta de emenda defendida por governadores busca dar aos estados a possibilidade de controlar o mercado de créditos de carbono, inclusive os de propriedades privadas.
A minuta, à qual a reportagem teve acesso, circulou entre a cúpula da Câmara dos Deputados, passando pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), e seus aliados.
O texto prevê a possibilidade de criação de mercados de carbono regulados pelos estados, aos quais ficariam submetidos os créditos emitidos por propriedades privadas.
Caso a possibilidade seja aceita, governos estaduais podem ter controle sobre a regulação desses mercados, definindo seus parâmetros e metas, por exemplo.
Parlamentares ouvidos pela reportagem sob anonimato afirmam que a ideia foi apresentada ao relator do projeto, o deputado Aliel Machado (PV-AL), mas não foi bem recebida por todos os deputados, com o receio de que os estados ganhem controle e passem a regular o mercado de carbono nacional.
Esse é um dos motivos travando a tramitação do projeto, um dos mais importantes do pacote de transição energética impulsionado por Lira às vésperas da COP 28, a conferência mundial sobre clima da ONU (Organização das Nações Unidas).
O presidente da Câmara pretende ir ao evento, que começa nesta quinta-feira (30), e nas últimas semanas passou a impulsionar uma série de projetos, inclusive o de crédito de carbono, mas também o de biocombustíveis, das eólicas offshore, do chamado Fundo Verde e do hidrogênio verde.
Este último, inclusive, foi o único aprovado até agora, nesta terça-feira (29). Os outros não foram deliberados por falta de consenso quanto aos respectivos textos.
“Com muita sinceridade, como ajo sempre com meus companheiros neste plenário, ou hoje [terça] ou amanhã [quarta] vou sentar e votar esses projetos, não tem postergação”, afirmou Lira após a votação do projeto do hidrogênio verde.
“Uma coisa é fato, nós iremos vencer as pautas que estão marcadas, inclusive com eólicas offshore”, completou.
O projeto das eólicas offshore, aquelas construídas em alto-mar na costa brasileira, inclui uma série de jabutis que podem aumentar a conta de luz em R$ 28 bilhões.
O relator do texto, Zé Vitor (PL-MG), estuda retirar parte destes dispositivos, especificamente os que tratam da transferência de custos da cadeia energética para o chamado mercado livre (composto, por exemplo, por grandes indústrias), e votá-los separadamente.
Já no crédito de carbono, outro ponto de divergência é a entrada do agronegócio dentro do mercado regulado, aquele no qual os integrantes do setor são obrigados a cumprir com as obrigações de redução de emissões de gases de efeito estufa.
No texto que foi aprovado no Senado, a bancada ruralista conseguiu aprovar uma emenda que deixa a área apenas no mercado voluntário, do qual é facultativa a participação e, consequentemente, o cumprimento das metas.
O relator, Aliel Machado, fez uma proposta para entrada do agronegócio no mercado regulado com a garantia de um período de transição, além da possibilidade de vender créditos por evitar o desmatamento ilegal em propriedades rurais.
A medida ainda é analisada pela bancada ruralista. Machado argumenta que o mecanismo tende a crescer mundialmente e o Brasil pode ser uma das maiores potências na área. Por isso, o setor perderá dinheiro se não aceitar as condições especiais para participar do mercado, defende o relator.
Outro ponto de divergência, o acréscimo dos programas estaduais de crédito vem sendo debatido por parlamentares nas reuniões sobre o tema.
O texto criaria o dispositivo dos “programas jurisdicionais” de crédito de carbono, que seriam uma “iniciativa criada por um estado” voltada a este mercado.
Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), na falta da regulamentação de um mercado nacional de carbono, alguns estados passaram a criar suas próprias legislações para o setor. Isso são os mercados jurisdicionais, ou seja, aqueles restritos a uma determinada jurisdição.
Nesse cenário, também surgiram uma série de iniciativas particulares questionadas por instituições como o Ministério Público, como o caso de empresas que vendem créditos em áreas de preservação ou cotas em parcerias com indígenas.
Helder Barbalho é um dos fiadores do acréscimo dos programas jurisdicionais no projeto de lei em tramitação na Câmara.
O governador foi questionado pela reportagem, por meio de sua assessora de imprensa, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
O Pará atualmente tem apoio da Noruega para criar o seu próprio mercado de carbono, e o governador já defendeu a proposta publicamente.
“A ideia é que tenhamos uma agência estadual para regular o mercado”, afirmou ao jornal Valor Econômico, em março. “Vamos criar um processo em que parte da receita seja do proprietário e parte do poder público”, completou.
A minuta apresentada a deputados vem sendo debatida e já teve alguns trechos atenuados, por exemplo para não impedir a existência de programas de crédito de carbono particulares.
Outro trecho do texto prevê que essas iniciativas poderiam ser “aninhadas” aos mercados regionais, e os governos teriam participação, estipulando que os créditos sejam negociados “descontando da contabilidade estadual”.
Também teriam que ser preservadas métricas alinhadas aos parâmetros da ONU e salvaguardas socioambientais.
Atualmente, estados como Tocantins e Acre já criaram seus mercados estaduais de crédito de carbono.
JOÃO GABRIEL / Folhapress