LONDRES, INGLATERRA (FOLHAPRESS) – O prefeito eleito de Mariana (MG), Juliano Duarte (PSB), afirmou que os municípios atingidos pela tragédia de Mariana estão em “situação difícil” pois precisam decidir em breve se aderem ou não ao acordo de reparação feito no Brasil.
Mais de nove anos depois do rompimento da barragem de rejeitos da mineração de minério de ferro operada pela Samarco, pertencente à BHP, de origem anglo-australiana, e à brasileira Vale, que matou 19 pessoas e despejou 44 milhões de metros cúbicos de lama tóxica no meio ambiente, há dois caminhos de indenização em curso.
No dia 21 de outubro, a Justiça inglesa começou a analisar a responsabilidade da BHP. O processo civil reúne aproximadamente 620 mil vítimas, incluindo 23 mil membros de comunidades tradicionais quilombolas e indígenas, e 46 municípios. Os pedidos de indenização chegam a 36 bilhões de libras, quase R$ 265 bilhões em valores de hoje. Do total, 7,2 bilhões de libras (R$ 52,8 bilhões) caberiam aos municípios, sendo aproximadamente R$ 28 bilhões para Mariana.
Paralelamente, no Brasil, um acordo de reparação pela tragédia no valor de R$ 170 bilhões envolvendo empresas, União, estados de Minas Gerais e Espírito Santo e representantes das comunidades atingidas foi assinado em 25 de outubro, e homologado no último dia 6 pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Do valor total pago por Samarco, Vale e BHP Billiton, foram oferecidos aos municípios R$ 6,1 bilhões a serem distribuídos ao longo de 20 anos, quase nove vezes menos do que na ação inglesa.
“Deste valor, Mariana receberia R$ 2,2 bilhões (R$ 1,2 bilhão para o caixa livre da Prefeitura e R$ 1 bilhão para a Saúde) na repactuação,” disse Duarte à Folha de S.Paulo.
“Somente 4% (dos R$ 170 bilhões) ficaram para as cidades, sendo que os problemas estão nas cidades, onde a população vive. O prefeito tem problemas com saúde, educação, mobilidade urbana, questões habitacionais. A maior parcela do acordo ficou com o governo federal e o Estado de Minas Gerais e do Espírito Santo.”
Só que, pelos termos do acordo brasileiro, pessoas físicas e municípios que optarem por aderir e serem indenizados devem descontinuar outras ações judiciais, no Brasil ou no exterior, e têm 120 dias a partir da homologação para tomarem uma decisão.
“Os prefeitos estão em uma situação muito difícil. Se você assina no Brasil, abre mão da ação da Inglaterra,” disse o futuro prefeito de Mariana. Duarte faz parte de um grupo de prefeitos e representantes de municípios atingidos que estão em Londres a convite do escritório que representa as vítimas.
“Viemos aqui para entender o processo de julgamento na Inglaterra. Sempre vou defender o interesse público do município e vou escolher a ação em que vierem mais recursos para a cidade.”
Duarte criticou o valor oferecido pelo acordo brasileiro e o cronograma de pagamento ao longo de duas décadas. “Os prefeitos não foram ouvidos, os valores estão muito aquém do pedido pelo Coridoce [Consórcio Público de Defesa e Revitalização do Rio Doce, que representa os municípios] e estamos completamente insatisfeitos com a repactuação que foi homologada no Brasil. Por isso estamos buscando justiça na corte inglesa, já que entendemos que o lucro das mineradoras é bilionário.”
O acordo do Brasil também prevê que indivíduos que não conseguirem comprovar que foram afetados pela tragédia receberão uma indenização de R$ 35 mil cada, valor considerado baixo por vítimas e representantes de comunidades atingidas. Duarte acrescentou que o município de Mariana enfrenta problemas sérios e agravados pelo acidente.
“Mariana é uma cidade 100% dependente da mineração. Quando ocorreu o rompimento da barragem, nossa principal fonte de renda que é o CFEM paralisou completamente. Com a paralisação da mineração, o município teve grande queda de receitas também em relação a outros impostos como ISS e ICMS. Isso implicou em fechamento de empresas, demissão de pessoas, paralisação de obras públicas, suspensão de serviços para a população,” disse.
“Aumentou a demanda no município, já que pessoas desempregadas procuram o SUS, a rede municipal de educação, benefícios sociais. Mariana teve um grande prejuízo com o rompimento da barragem e passou por graves crises financeiras desde 2015, e até hoje não fomos ressarcidos por isso.”
O julgamento em Londres vai até 5 de março de 2025, com sentença esperada em meados do ano que vem. A diretora de assuntos corporativos da BHP Brasil, Fernanda Lavarello, disse à Folha de S.Paulo que a empresa “seguirá com sua defesa na ação do Reino Unido e nega os pedidos em sua totalidade”. Afirmou ainda que “a ação é desnecessária, pois duplica questões por processos judiciais perante as cortes brasileiras, pelos programas implementados pela Fundação Renova desde 2016 e pelo acordo recém-assinado no Brasil”.
O passo seguinte, se a BHP for condenada na Inglaterra, seria determinar o valor de indenização de cada litigante. A empresa alega que não seriam esperados pagamentos antes de 2028.
“É terrível. A BHP diz aos prefeitos que vai oferecer um valor muito menor e tenta deixá-los com medo para que aceitem. Tentam amedrontar prefeitos de cidades pequenas em Minas Gerais, no Espírito Santo, e falam com a imprensa que não existe nada garantido e que pode levar outros três anos. Acho que, se vai levar três anos, esses prefeitos estão dispostos a lutar,” disse à Folha de S.Paulo Tom Goodhead, CEO do escritório Pogust Goodhead, que representa as vítimas.
“Falei com vários prefeitos que estão aqui [em Londres] e não participaram das negociações sobre o acordo no Brasil. Os valores contidos nele, pagos ao longo de 20 anos, são inaceitáveis para eles, são extremamente baixos, e não correspondem aos danos causados.”
Na esfera criminal, a Justiça Federal absolveu este mês a Samarco, BHP Billiton e Vale pelo acidente, além de sete pessoas entre diretores, gerentes e técnicos, incluindo Ricardo Vescovi, presidente da Samarco à época da tragédia. A justificativa foi a “ausência de provas suficientes para estabelecer a responsabilidade criminal” dos réus envolvidos no caso.
MARINA IZIDRO / Folhapress