SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois anos após a morte do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips no Vale do Javari, no Amazonas, a antropóloga Beatriz de Almeida Matos, diretora no Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e viúva de Bruno, fala sobre as mudanças em sua vida e a reconstrução da política indigenista no país.
Em fevereiro de 2023, Beatriz se mudou com os dois filhos de Belém para Brasília, para assumir a diretoria do Departamento de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato do MPI. Ela diz que, a partir daquele momento, passou a se dedicar a ações de articulação para a retirada de invasores de terras indígenas.
Para a antropóloga, além de seu empenho no ministério, a interação com outras pessoas que também sofreram perdas familiares devido à violência contra defensores dos direitos indígenas e ambientalistas foi fundamental para seu fortalecimento ao longo dos últimos dois anos.
“Acho que todos que passaram por isso, em vez de desistir daquilo que levou essas pessoas a serem assassinadas, na verdade querem fortalecer a luta, justamente para que não aconteça mais e para que o trabalho daquela pessoa tenha continuidade. Quem tenta eliminar fisicamente essas pessoas não pode eliminar a memória e o legado delas. Então, claro que não só eu como esposa, mas os amigos, os colegas de trabalho, aqueles que trabalharam com ele [Bruno] estão muito empenhados em manter o legado”, diz Beatriz.
Ela conta que, nesse período, teve a oportunidade de conhecer pessoalmente Alessandra Sampaio, viúva de Dom Phillips. “Eu ainda não conhecia a Alessandra pessoalmente, mas nos aproximamos e agora somos amigas. Sempre conversamos.”
Atuação no MPI
Brasília tornou-se o local onde Beatriz e sua família puderam reerguer suas vidas e atuar na reforma da política indigenista no Brasil.
“Nos últimos anos a política indigenista estava completamente sucateada, por ter sido sabotada pelo governo anterior. Com isso, tivemos muitos trabalhos, como na Terra Indígena Yanomami e outros territórios, onde estão sendo feitas ações de retirada de invasores e monitoramento da proteção dos povos indígenas isolados e de recente contato, um trabalho junto à Funai. Então, 2023 foi um ano de reconstrução dessa política, de que a gente participou ativamente, e também foi um ano de reconstrução da minha vida”, afirmou.
Questionada sobre as medidas do governo federal no Vale do Javari –região com maior número de indígenas isolados do mundo, localizada na fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru, e local onde Bruno e Dom foram mortos por criminosos ligados ao tráfico–, Beatriz respondeu que as ações do MPI são feitas de forma integrada.
“Estamos realizando a execução desse plano de proteção territorial do Vale do Javari em conjunto com outros cinco ministérios. [O trabalho] envolve também o Ibama, a própria Funai, Polícia Federal, Força Nacional, Polícia Rodoviária Federal e Exército.”
“Então estamos monitorando, por meio desse plano de proteção, porque ali no Vale do Javari há ameaça de garimpo. Tem a chegada de garimpeiros pela região leste da terra indígena, onde as dragas de garimpo vão subindo os rios e chegam até o território dos isolados. No rio Javari tem a entrada de caçadores e pescadores ilegais, que às vezes têm ligação muito estreita com outras formas de organização criminosa, como tráfico de drogas e de madeira internacional e demais cadeias criminosas que estão ameaçando o território indígena”, completou.
Avanços e desafios
Para Beatriz, a criação do MPI e do Departamento de Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato é “um grande avanço por colocar a pauta em um nível alto de articulação política”. Outros destaques positivos, segundo a antropóloga, são o fato de a Funai ter uma indígena na presidência e as melhorias que foram promovidas no plano de carreira do órgão.
E ela ressalta: “São os funcionários da Funai que ficam nas terras indígenas. As ações de segurança acontecem periodicamente, mas é a Funai que está lá permanentemente. Então a valorização da carreira é muito importante também, foi um avanço”.
O que precisa melhorar, na avaliação de Beatriz, são as questões orçamentárias e de estrutura.
“No que diz respeito ao orçamento da Funai, e no próprio orçamento do ministério, é algo que pode melhorar muito ainda. Mas eu acho que tivemos grandes avanços, pois atualmente temos um governo preocupado com isso. A questão é como dar condições para que se executem essas proteções territoriais e dos povos indígenas, dos isolados, de fato”, afirma.
“No MPI ainda temos poucos cargos, precisamos de mais. É a construção de uma política nova, com o MPI, e a retomada da política que já existia para povos indígenas, da Funai, que é um órgão que foi muito perseguido. A própria situação que aconteceu com o Bruno tem a ver com a perseguição da Funai.”
FABYO CRUZ / Folhapress