SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Codevasf, estatal federal sob controle do centrão, abriu duas investigações para apurar se houve uso político na entregas de caixas-d’água nas superintendências de Petrolina (PE) e de Juazeiro (BA).
As apurações são resultado de uma série de reportagens da Folha de S.Paulo que revelou que estoques de caixas-d’água apodrecem em redutos de parlamentares, enquanto cidades sem padrinhos políticos acabam esquecidas pelas políticas públicas.
Estatais como a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba) acabaram loteadas em busca de apoio político por Jair Bolsonaro (PL).
No governo Lula (PT), esse tipo de política vem sendo ampliada, com envio recorde de emendas parlamentares aos órgãos, como a Codevasf e o Dnocs (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas).
As comissões vão investigar as entregas feitas nos municípios de Santa Filomena (PE) e Campo Formoso (BA), que são redutos de políticos do centrão abastecidos por emendas parlamentares.
Em nota, a estatal afirmou que as revelações da Folha de S.Paulo sobre “possível uso político de cisternas e caixas-d’água por municípios que receberam os reservatórios por doação da Codevasf serão apuradas por comissão designada especificamente para esse fim”.
“A comissão também será responsável por apurar as denúncias de armazenamento impróprio de caixas-d’água que se encontram sob a guarda de um ente municipal”, disse.
Segundo a estatal, na primeira semana de outubro foram constituídas comissões nas duas regionais, com três profissionais da companhia em Petrolina e quatro em Juazeiro. Os prazos iniciais foram fixados em até 30 dias.
“O descumprimento de termos de doação pode acarretar reversão das doações –as conclusões apresentadas pelas comissões podem subsidiar a adoção de outras medidas”, diz a Codevasf.
Só no ano passado, a estatal distribuiu mais de 123 mil reservatórios, sendo apenas 10% sem recursos de emendas.
Em Santa Filomena, a reportagem localizou materiais guardados, alguns com avarias visíveis.
No local, houve grande distribuição de caixas-d’água registradas com vídeos postados em redes sociais, relatos de famílias que receberam mais de uma caixa e até casos de venda por moradores de equipamentos doados pelo governo federal.
O município é um reduto do ex-senador Fernando Bezerra Coelho (MDB), nome influente da política no sertão pernambucano. No ano passado, deu votação expressiva a Miguel Coelho (União Brasil) e Fernando Filho (União Brasil), filhos do então senador que concorreram ao governo e à Câmara.
A cidade pernambucana recebeu 2.333 caixas-d’água, em um contrato de doação assinado em 2021, ainda no governo Bolsonaro. Apesar disso, a prefeitura mantém dezenas de caixas-d’água estocadas em um terreno nos fundos do hospital municipal.
Já Campo Formoso, reduto do deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil) e administrada pelo irmão dele, Elmo, também havia reservatórios estocados e distribuídos a conta-gotas.
A cidade é considerada de prioridade baixa para instalação de cisternas e outras tecnologias de acesso à água em estudo realizado pela Embrapa Territorial.
No ano passado, o município de 71 mil habitantes foi beneficiado com a doação pelo governo federal de 500 tanques de água de 10 mil litros, 400 caixas-d’água de 1.000 litros e 400 caixas de 500 litros. Em setembro passado, ao menos metade dos tanques de maior porte ainda estavam guardados em um depósito da prefeitura.
A Embrapa Territorial, baseada variáveis sociais e naturais, realizou um estudo que aponta 61 municípios prioritários para instalação de cisternas e outras tecnologias de acesso à água. Cruzamento feito pela Folha de S.Paulo com dados de Codevasf mostra como 97% deles foram abandonados na distribuição de reservatórios –somando municípios com prioridade alta e muito alta, são 201 (88%).
No caso dos reservatórios, a Bahia concentrou 98% dos mais de 123 mil distribuídos. Ao mesmo tempo, houve o desmonte da política de cisternas, que dá autonomia às populações –como o equipamento é abastecido pela água da chuva, diminui a dependência de políticos locais, que controlam os carros-pipas.
O programa federal de cisternas passou de 149 mil equipamentos instalados em 2014 para 5.946 no ano passado -cada equipamento custa em média R$ 6.000.
No caso das poucas cisternas instaladas, também houve concentração no estado. Sob instalação direta da Codevasf, de 2021 e 2023, foram implantadas 3.518 cisternas, sendo que 1.860 delas, o que equivalente a 53% do total, foram para a Bahia.
ARTUR RODRIGUES E FLÁVIO FERREIRA / Folhapress