Estudante de medicina que tem autismo divulga informações sobre o transtorno no TikTok

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRRESS) – Quando criou sua primeira conta no TikTok, Raquel Nery, 22, queria apenas ganhar R$ 10 ao aceitar o código de convite da plataforma. Atualmente, ela tem 1,8 milhão de seguidores na rede em que faz vídeos sobre o autismo e sobre seu dia a dia como estudante de medicina.

Nery, que nasceu em Extremoz, na região metropolitana de Natal (RN), foi diagnosticada com autismo aos 16 anos e considera seu diagnóstico tardio. “Quando eu chegava no posto, eles diziam ‘essa menina sabe ler, não precisa de atendimento’, porque eles dão prioridade a quem tem problemas na escola. Quando vem uma pessoa como eu, que tem um desenvolvimento social maior, entretanto, também tem prejuízo na linguagem e na interação. As pessoas preferem me colocar num lugar de chata, de birrenta, em vez de tentar compreender. E é por isso que acho que tive um diagnóstico tão tardio”, diz. Ela acrescenta que foi muito boa a sensação de “saber que não é chata”.

O TEA (transtorno do espectro autista) é um conjunto de condições que afetam o desenvolvimento e tem três características que podem aparecer em diferentes proporções, em conjunto ou isoladas: alterações na fala, dificuldade de socialização e comportamento repetitivo e estereotipado.

Em um vídeo recente do TikTok, Nery traz mitos e verdades sobre o autismo. Em outro, mostra seus cordões de identificação das pessoas com deficiências ocultas e fala sobre os significados deles.

Nery conta que usava sua primeira conta no TikTok, criada na pandemia de Covid, para postar vídeos e desenhos animados que ela gostava. “Depois eu comecei a imitar vídeos que eu achava muito divertidos, tendências divertidas e foi um descobrimento dessa ferramenta de edição de vídeos que ainda não tinha usado. Era só uma diversão”, relata.

Em agosto de 2021, Nery criou a conta que usa atualmente. “Eu quis falar de pessoas como eu, porque não tinha muito conteúdo, eu não conhecia”, diz.

A estudante recebe comentários e relatos positivos de pessoas que se identificam com ela e, com investigação profissional, descobrem que também estão dentro do espectro. “Também tem gente que fala ‘nossa, muito obrigado por você falar sobre os cordões, porque quando eu vejo uma pessoa com cordão de girassol, eu já sei o que significa’. Eu me sinto bem por as pessoas pensarem um pouco nisso”, conta.

Porém, nas redes, Nery recebe ataques e comentários que questionam seu laudo, sua escolha de curso e sua vaga na UFRN (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), como por exemplo: “você é a famosa autista que tira dinheiro do governo sem realmente ser autista?”; e “Raquel, pelo amor de Deus, pare com isso. Absolutamente todo mundo sabe que seu grau de autismo é baixo e metade das coisas que você faz são por like”.

Diagnosticada desde 2018, a estudante relata ignorar esses comentários. “Eu fui orientada a parar de ler comentários ruins e seguir mostrando o que eu acho legal. Eu já tinha autismo, só depois eu comecei a fazer vídeo. E, só depois de mais de um ano que eu comecei a fazer vídeo, eu falei sobre autismo”, afirma.

No vídeo fixado em seu perfil, com 9,6 milhões de visualizações, ela mostra os objetos, como um mordedor sensorial e um fone de cancelamento de ruído, que ela leva para a faculdade e que a ajudam a manter o foco e a lidar com situações que podem ser desconfortáveis, como barulho excessivo.

No primeiro dia de aula na faculdade, a estudante conta que ficou receosa sobre como seria a experiência. “Eu estava com medo de que seria que nem a escola, que era horrível. Mas a faculdade é muito boa. Na faculdade ninguém liga, de uma maneira positiva, para o que você faz. Se eu quiser ir com a roupa totalmente rosa e brilhante, ninguém está nem aí para mim. Se eu fizesse isso na escola, todo mundo ia rir de mim. Se eu estiver fazendo algum movimento repetitivo, por exemplo, ninguém está nem aí na faculdade. Na escola você não tem liberdade de ir e vir. Então quando estava muito barulho, eu tinha que ficar na sala mesmo assim. Na faculdade eu não sou obrigada”, afirma.

A estudante entende que a internet ajudou a levar conhecimento sobre o TEA e pensa que esse acesso maior ao conhecimento é positivo. “Hoje em dia, todo mundo tem acesso ao conhecimento. Naquela época não tinha. Meus pais me apoiavam como podiam”, relata.

Porém, com a popularização do TEA, a influencer acredita que houve uma banalização. “É claro que as pessoas têm direito de considerar que têm aquilo e a partir daí fazer uma investigação. Mas tem gente que se identifica e vai de médico em médico até achar algum que lhe dê aquele diagnóstico específico”, declara e continua:

“Por exemplo, eu tenho sensibilidade auditiva e aí você diz que também tem porque não gosta de ficar perto de um paredão. Isso não significa que você tenha autismo, significa que você não gosta de ficar perto de um paredão porque ele é estrondosamente alto.”

Para Nery, algumas pessoas têm características do autismo, porém, se isso não atrapalha a qualidade de vida da pessoa, não significa que ela necessariamente tenha TEA. “Não existe autismo nível zero de suporte. Existe autista nível 1 de suporte que precisa de alguma ajuda. A deficiência é relacionada com alguma coisa incapacitante que atrapalha permanentemente a sua vida”, diz.

JULIANA MATIAS / Folhapress

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