SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Glória Pires estreou na Globo aos 8 anos, em “Selva de Pedra”, vivendo Fatinha, uma das crianças da pensão de Fany (Heloísa Helena). De lá para cá, foram 58 personagens interpretados –59, se formos contar as irmãs gêmeas Ruth e Raquel, de “Mulheres de Areia”. Isso sem falar em outros dois ainda inéditos, previstos em projetos futuros.
Ou seja, quase um personagem para cada ano de Glória, que completa 60 anos nesta quarta-feira (23).
A atriz é quase uma enciclopédia da evolução da dramaturgia brasileira, mostrando em detalhes suas diferentes fases. E, no dia em que comemora seis décadas, Glória vai fazer aquilo que mais ama: gravar, desde cedo. “Gosto de passar a data trabalhando”, diz ela, em entrevista.
Atualmente no ar em “Terra e Paixão”, Glória interpreta Irene, que luta para se manter como parte dominante na sucessão da família La Selva. Nessa batalha, vale tudo: fazer um filho, casar com a ex-noiva do outro (que já morreu), internar a outra filha para encontrar sua sanidade mental o quanto antes, matar possíveis mulheres que podem ir atrás dos seus direitos.
“Ela já mostrou que é capaz de qualquer coisa para garantir o seu lugar e vai ainda mais longe. Não é apenas o dinheiro que a mobiliza, é o poder”, reforça Glória, que diz, às gargalhadas, que ela e Irene têm a lace –adereço do cabelo– como algo em comum. Em meio às brechas de gravações de “Terra e Paixão”, Glória fala um pouco mais sobre a idade nova, personagens marcantes e o que podemos esperar daqui em diante de sua carreira:
PERGUNTA – Fala-se muito sobre etarismo, incluindo na TV. É algo que incomoda?
GLÓRIA PIRES – Eu me sinto muito grata pelo caminho até aqui. Olho para trás e fico feliz com as minhas escolhas profissionais e pessoais. Chego aos 60 com a sensação de que tem muita coisa para viver, para experimentar e celebrar. Vejo a balança muito mais positiva, de verdade. E tem uma coisa que só o tempo nos dá, que é a sabedoria, a maturidade… Me sinto plena por reconhecer isso. Não tenho do que me queixar. É uma data para comemorar.
Em sua carreira na TV, as pessoas lembram muito de Nice em “Anjo Mau”. Ela era uma babá ambiciosa. Como foi para você fazer papéis de vilãs, como esse?
G. P. – Nice foi uma personagem interessante e sempre busco, nas vilãs, o seu lado humano, o que move essas personagens, sem julgamento. No caso da Nice, o que a motivava era ter o amor do patrão, Rodrigo (Kadu Moliterno), que se apaixona por ela. O saudoso Carlos Manga era o diretor de núcleo, nessa época. Lembranças queridas.
Como é ver a reprise de Ruth e Raquel em “Mulheres de Areia”?
G. P. – Estudei bastante as relações de alguns gêmeos, que entrevistei. E esse estudo me ajudou muito na hora de fazer a Ruth e a Raquel. Eu pude construir as personalidades de cada uma, compor o que as diferenciava e o que as aproximava. Era uma tecnologia nova, bastante complicada de realizar.
Como assim?
G. P. – Precisei desenvolver minha capacidade de abstração, para dar conta de interagir sozinha, comigo mesma, falando por cima de uma voz que era previamente gravada (Graziella Di Laurentis), para que eu pudesse falar comigo mesma.
Era uma loucura, então?
G. P. – Loucura total! Com a prática, acabamos criando uma forma de agilizar um pouco o processo. Hoje em dia, por causa das gravações, eu não consigo assistir. Às vezes, vejo uma cena ou outra, indo ou vindo do estúdio, para trocar de roupa.
Não se sente um pouquinho deslumbrada em ser considerada um símbolo da dramaturgia nacional?
G. P. – Felizmente, percebi cedo que acreditar nesse tipo de afirmação poderia criar uma ilusão perigosa. Os altos e baixos dessa profissão sempre estiveram no meu horizonte, afinal, sou filha de ator. Estar ativa, discutindo o teor do PL 2370/19, que busca o recebimento dos direitos pela exibição das obras de audiovisual, no ambiente digital, algo fundamental para os artistas e demais criadores, me emociona muito.
O que diria para quem está começando agora?
G. P. – Estude! Seja persistente. E quando conquistar o seu espaço, não se acomode, siga se desafiando.
Podemos esperar muitos anos de Gloria atuando? Já teve vontade de parar?
G. P. – Não vou parar! Isso eu sei! Tenho ainda muitos projetos que quero realizar. Gosto de bons projetos e de me sentir desafiada, então não estou fechada a convites. E tenho projetos saindo do forno já para este ano. Me aguardem.
JÚLIO BOLL / Folhapress