BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um estudo feito pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) afirma que a ampliação dos desembolsos da instituição precede a alta nos investimentos do país, indicando uma correlação positiva entre a atuação do banco e a variável de impulso ao crescimento econômico.
As conclusões estão registradas no primeiro estudo especial elaborado pela atual administração do BNDES, antecipado à Folha de S.Paulo. A iniciativa faz parte da estratégia do banco de fomentar o debate econômico sobre temas que permeiam sua própria atuação.
O diretor de Planejamento e Estruturação de Projetos do BNDES, Nelson Barbosa, diz que um dos objetivos do documento é desconstruir percepções tidas como incorretas, como a ideia de ausência de vínculo entre os desembolsos da instituição de fomento e o investimento.
Desde o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o BNDES virou um foco de críticas e temores de economistas, que veem com desconfiança a meta anunciada pela nova gestão do banco de dobrar seu tamanho até 2026.
O próprio Banco Central tem emitido alertas sobre os riscos associados a uma eventual ampliação do crédito direcionado que costuma ter taxas menores do que as praticadas no mercado. O presidente do BC, Roberto Campos Neto, já afirmou que, se o governo quiser dar mais subsídios, “o juro vai ser mais alto por definição”, pois o canal de transmissão da política monetária “fica mais estreito”.
“O Banco Central usa como justificativa o medo do que a gente pode fazer em 2024 como pretexto para não reduzir o juro hoje. Acho que isso é um pouco demais para qualquer economista. Não entenderam o que a gente está propondo”, diz Barbosa.
O diretor afirma que o banco pretende focar áreas como infraestrutura, inovação e financiamento ao comércio exterior. “Se for bem direcionado, a gente pode viabilizar um novo aumento de investimento no Brasil”, avalia.
O estudo do BNDES indica uma correlação positiva de 76% entre as concessões de financiamento do banco como proporção do PIB (Produto Interno Bruto) e a taxa de investimento do país, considerando operações realizadas entre 2002 e 2022. Quanto mais elevado é o percentual, maior é a força de associação entre as duas variáveis analisadas.
Como alguns desembolsos são direcionados a linhas de capital de giro ou financiamento de exportações, o estudo traz também recortes específicos, que buscam mensurar o efeito das transações destinadas apenas à realização de investimentos.
De acordo com o BNDES, a correlação entre os desembolsos da linha Finame (voltada à aquisição de máquinas e equipamentos) e a taxa de investimento nesse segmento é de 87%.
O estudo também mediu a correlação com a taxa de investimento em construção não residencial, que chegou a 88% no caso dos desembolsos para infraestrutura e 89% nos financiamentos para investimentos em geral.
Os achados não seriam, por si só, evidências suficientes para concluir que os investimentos ocorreram por causa da atuação do BNDES. Os economistas usam uma máxima para retratar isso: a de que correlação não é causalidade.
Por isso, os técnicos do banco conduziram alguns testes econométricos para verificar se os dados de desembolso do banco ajudam a prever o comportamento do investimento ou seja, se há de fato precedência entre uma variável e outra.
O teste mostra ausência de indícios de que a alta do investimento leva a um maior desembolso do BNDES, mas resultados significativos quando se avalia a ordem inversa, com as concessões do banco antecedendo a ampliação da FBCF (formação bruta de capital fixo, como os investimentos são mensurados no PIB).
“As evidências mostram que o aumento de desembolso precede um aumento no investimento, e que esse aumento de investimento atinge seu pico a partir de um ano”, afirma Barbosa.
“Obviamente a gente pode sempre dizer que ele [crédito] pode ser melhor alocado, que ele tem que ser mais transparente. Agora, essa relação de correlação e causalidade é conhecida”, diz.
No fim do ano passado, um relatório produzido pelo Cmap (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas) mostrou que a política de campeões nacionais praticada pelo BNDES durante governos anteriores do PT despejou recursos para grandes empresas brasileiras, mas não resultou em aumento dos investimentos na mesma proporção.
Segundo o estudo, a cada R$ 1 aplicado em empréstimos e subsídios, apenas R$ 0,12 a R$ 0,25 viraram investimentos adicionais. O valor, embora positivo, foi considerado pouco eficaz.
Barbosa diz que precisaria analisar os detalhes e as premissas do estudo para entender os cálculos do Cmap e avaliar suas conclusões, mas ele afirma que o próprio banco tem interesse em desenvolver estudos sobre a eficácia de seus empréstimos.
“Estamos dialogando com o pessoal do ministério também, justamente para desenvolver melhor essas avaliações. Tem que ter uma avaliação de eficiência, eficácia. Mas uma coisa de cada vez. Uma, o impacto é positivo. Agora, o impacto é muito pequeno para o volume de recursos? Aí é outro tipo de questão. Obviamente a gente quer um impacto positivo e eficiente”, diz.
Segundo o diretor, a nova leva de estudos do BNDES busca contribuir para “melhorar os termos” do debate e medir os resultados para acompanhar a eficiência política e até aprimorar a atuação da instituição.
O objetivo é que esses estudos especiais se assemelhem aos boxes divulgados pelo Banco Central no RTI (Relatório Trimestral de Inflação), com avaliações e cálculos sobre temas específicos.
“Outra contribuição, mais indireta, é começar a esclarecer alguns pontos e, com isso, combater algumas ‘fake news'”, afirma. Segundo ele, uma das principais distorções é dizer que a maior participação do BNDES no crédito expulsa o setor privado desse mercado (o que economistas chamam de efeito “crowding out”).
“As evidências mostram que isso é possível, mas não é provável. Na maior parte dos casos, quando o BNDES desembolsa mais, o investimento aumenta, e o setor privado desembolsa mais também. Eles vão juntos. Tem mais evidências de complementação do que de substituição entre um e outro”, diz Barbosa.
Segundo ele, o risco de o banco tomar espaço do setor privado existe apenas em contextos específicos, quando a economia está no pleno emprego (operando em seu nível máximo) ou quando há estagnação ou recessão. “Aí você está disputando um tamanho fixo [de investimento]. Então, num contexto de estagnação, pode acontecer um crowding out. Só que a nossa estratégia é aumentar o desembolso em um contexto de crescimento. O nosso aumento de desembolso depende de a economia voltar a crescer, também”, diz.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress