CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Um estudo publicado no Journal of Biological Chemistry detalha interações inéditas entre proteínas fundamentais para a estabilidade muscular, trazendo novas perspectivas para o tratamento da distrofia muscular de Duchenne (DMD), uma condição genética rara e sem cura, que leva ao enfraquecimento e à deterioração dos músculos do corpo.
A doença, caracterizada pela ausência da distrofina, uma proteína essencial para a integridade das células musculares, afeta principalmente meninos e causa progressiva deterioração muscular. Como resultado, indivíduos com DMD podem apresentar sintomas como dificuldade para caminhar e quedas frequentes.
“A DMD é como uma parede de tijolos onde falta uma peça importante, a distrofina. Sem ela, a estrutura fica instável e desmorona, levando à degeneração muscular”, explica Marcondes Cavalcante França, professor do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
A DMD surge de mutações no gene que codifica a distrofina. A pesquisa mostra como o domínio C-terminal (CT), que compõe a distrofina, interage com as duas principais isoformas da distrobrevina, uma proteína parceira. Essas interações variam de acordo com a composição de aminoácidos e padrões de expressão em diferentes tecidos, influenciando diretamente a estabilidade do complexo proteico.
“Por ser uma proteína gigantesca, a distrofina não pode ser utilizada integralmente nos tratamentos. Por isso, é importante identificar quais partes dela são determinantes para sua função”, explica o neurologista Henrique Freitas, coordenador da equipe de Neurologia do Hospital Mater Dei. Segundo ele, o estudo é importante para entender quais são os blocos da proteína que devem ser incluídos em novos tratamentos.
“Compreender essas interações nos aproxima de tratamentos que atacam as causas básicas da DMD”, afirma Krishna Mallela, professor da Universidade do Colorado e autor principal do estudo. Segundo ele, o trabalho oferece uma base molecular para entender os sintomas da DMD, que vão além dos músculos esqueléticos, afetando órgãos como coração e cérebro.
Embora os tratamentos atuais possam prolongar a vida dos pacientes, seu alto custo e eficácia limitada ressaltam a urgência de novas abordagens terapêuticas.
Desafios no diagnóstico e no tratamento
Afonso, 8, recebeu o diagnóstico de distrofia muscular de Duchenne após apresentar dificuldades em atividades físicas simples, como correr ou subir escadas.
“Achávamos que ele precisava de mais estímulo, mas os sinais persistiram. O teste genético confirmou o diagnóstico, que foi um choque”, conta a mãe, Amanda Regia de Lima. Hoje, Afonso mantém uma rotina de terapias para preservar a mobilidade. “Sabemos que essas medidas são paliativas e que ele precisa de terapias mais avançadas para melhorar sua qualidade de vida”, afirma a mãe.
De acordo com a literatura médica mundial, um a cada 2.500 a 3.200 meninos nascidos vivos são acometidos por DMD. Meninas raramente apresentam sintomas, mas podem ser portadoras da mutação genética, o que torna o aconselhamento genético essencial para famílias afetadas. “No Brasil, a estimativa é de cerca de 300 novos casos anuais”, afirma o professor do Departamento de Neurologia da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp.
Os tratamentos disponíveis para a DMD concentram-se no manejo dos sintomas. Entre as opções estão corticosteroides, que ajudam a retardar a progressão da fraqueza muscular, além de programas de alongamento, exercícios físicos e o uso de dispositivos como órteses e cadeiras de roda.
Em dezembro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) concedeu o registro do primeiro produto de terapia gênica para DMD, o Elevidys. Este é o primeiro medicamento do tipo aprovado no Brasil para tratar crianças que ainda conseguem caminhar de quatro a sete anos. O medicamento tem custo médio de R$ 17 milhões e ainda não está disponível no SUS (Sistema Único de Saúde).
Camila de Freitas Sousa Correa, mãe de Gabriel, 6, aguarda ansiosa pelo tratamento. “O geneticista acredita que o Gabriel vai ter um desenvolvimento muito bom após a medicação. Segundo a bula, meu filho se enquadra perfeitamente”, afirma.
O Elevidys é o único medicamento que atua diretamente na causa da doença e oferece uma nova esperança para famílias que, até então, dependiam de tratamentos paliativos. Hoje, o tratamento disponível para crianças é limitado ao uso de corticoides e fisioterapia.
MAYALA FERNANDES / Folhapress