‘Eu, Capitão’ é sensível com refugiados, mas poderia evitar a tortura

(FOLHAPRESS) – “Eu, Capitão”, indicado ao Oscar de melhor filme internacional pela Itália, começa no Senegal, antiga colônia francesa, de onde os primos Seydou (Seydou Sarr) e Moussa (Moustapha Fall) sonham em cair fora o mais depressa possível, com destino à Europa.

São dois adolescentes, e não é de espantar que a mãe de Seydou implore para que ele não parta. Mas o filho, junto com o primo, escapam escondidos e iniciam sua jornada. Esse início justifica a fuga: em Dakar, os dois meninos pobres não terão a menor chance. Estão mesmo destinados à pobreza e aos trabalhos físicos, graças aos quais, diga-se, juntaram dinheiro para a viagem.

Desde o início percebe-se que não será uma jornada fácil. De cara, precisam arranjar passaportes falsos. E pagar por eles. Não terão muito tempo de subornar algum guarda para ele fingir que os passaportes falsos não são falsos.

O dinheiro vai escoando e eles nem atravessaram o deserto. Chegando ali, os “coiotes” (os caras que garantem que tudo irá bem na travessia) os colocam num furgão deplorável, guiado de forma assassina, e que finalmente deixa os clientes no meio do deserto, com apenas um guia para ajudá-los.

Desde já sabemos que a aventura de Seydou e Moussa será uma odisseia cheia de armadilhas. Convém não esquecer que o Senegal fica na África Ocidental, bem longe de seu objetivo, que é chegar à Líbia, para dali atravessar o Mediterrâneo e chegar à Itália.

Nesse trajeto precisam passar por diversos países e pelos mais variados riscos: desde o roubo de seu dinheiro (já escasso) até a escravização, passando pela separação dos primos. Moussa perde-se; Seydou terá não só de enfrentar os seus problemas, como de procurar por ele em cada oportunidade.

Saliente-se que não faltarão a “Eu, Capitão”, também, insuportáveis cenas de tortura, de que Matteo Garrone, o diretor, poderia bem nos poupar, sem que seu filme nada perdesse em força ou contundência -ao contrário.

À parte isso, “Eu, Capitão” cumpre as tarefas centrais a que se propõe. Primeiro, mostrar quem são, afinal, esses refugiados que só conhecemos pelo jornal ou pela TV, o que os move, pelo que passam até embarcar num daqueles barcos que os leve até a Europa. Segundo, fazer tudo isso sem esquecer de que se trata de um filme de aventura.

Quase sem querer, o filme nos fornece um painel bem ilustrativo daquilo que o colonialismo deixou na África -basicamente, miséria extrema. E esses miseráveis é que serão explorados pelos “coiotes”, guardas de fronteira e similares ao longo da travessia. Eventualmente encontrarão algum consolo e ajuda ao fazer uma amizade.

O certo é que Seydou chegará ao porto, onde descobre a nave infecta na qual deve fazer a travessia. Esse já conhecemos de fotos ou dos tristes filmes. De resto, alguém lhe dará a tarefa adicional de conduzir o barco.

Essa será a melhor sequência do filme, pois a travessia é muito mais difícil do que se anunciava: perder-se é fácil; tomar a rota de Malta, durante algum nevoeiro, quando se procura a Itália, também.

Não é só isso. Convenhamos que Seydou está apenas em sua primeira lição como navegador e que nela carrega umas 300 pessoas num barco que, quando muito, tolera 50 almas. Tem gente pendurada no mastro, na casa das máquinas, nas bordas do barco. Pessoas tão ansiosas quanto indisciplinadas, tão esperançosas quanto famintas.

Essa carga o jovem senegalês terá de levar a bom porto, se conseguir. A questão que o filme deixa em aberto é: até onde?

Não importa. O objetivo de Garrone é sensibilizar a plateia (europeia, de preferência) para a condição trágica dos refugiados. O mais provável é que as plateias se comovam com Seydou e os que o acompanham. E depois virem as costas para os imigrantes concretos com que topam pela frente.

EU, CAPITÃO

Avaliação Bom

Quando Estreia nesta quinta-feira (29) nos cinemas

Classificação 14 anos

Elenco Seydou Sarr, Moustapha Fall, Issaka Sawadogo

Produção Itália, Bélgica, França, 2023

Direção Matteo Garrone

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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