FILADÉLFIA, EUA, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A vice-presidente dos Estados Unidos e candidata do Partido Democrata à Casa Branca, Kamala Harris, assumiu no debate desta terça-feira (10) a postura de procuradora de Justiça que foi antes de entrar na política e atacou o candidato republicano, o ex-presidente Donald Trump. Em diversos momentos da noite, colocou na defensiva o rival, algo com o qual ele não está acostumado.
Kamala pressionou Trump em questões espinhosas para o republicano no que provavelmente foi o único confronto direto entre os dois –a eleição está marcada para 5 de novembro. Em temas como aborto e a invasão do Capitólio, quando apoiadores do então presidente invadiram a sede do Congresso americano, a democrata apresentou Trump como um político perigoso, que ameaça a democracia e quer retirar direitos dos americanos –como o direito ao aborto.
O republicano também se incomodou ao ser confrontado diversas vezes pelos moderadores, os jornalistas da ABC David Muir e Linsey Davis –algo que não ocorreu no debate na CNN contra Joe Biden, em junho, no qual Trump mentiu em várias ocasiões sem haver contestação.
“Nesse debate vocês vão ouvir o mesmo velho manual de mentiras”, disse Kamala em determinado momento. A democrata conseguiu enfraquecer as investidas de Trump em assuntos delicados para o Partido Democrata, como a situação da economia e a imigração.
A vice-presidente começou o embate com uma provocação sobre a origem rica do adversário e disse ser uma pessoa de classe média, “a única neste palco com o plano para a classe média”. Trump utilizou a primeira pergunta dos moderadores, sobre economia, para falar de imigração, dizendo que estrangeiros estão “tomando conta de cidades com violência” e concluindo: “precisamos tirá-los daqui rápido”.
Quando o debate se voltou à questão do aborto, Trump fugiu da pergunta se apoiaria uma proibição nacional e atacou os democratas. Acusou-os, incorretamente, de quererem “executar bebês após o nascimento” –uma frase desmentida pela jornalista Davis assim que o republicano terminou a resposta: “Não há nenhum lugar nos EUA onde seja legal executar bebês”, disse ela. A maior parte dos abortos acontece até o segundo trimestre de gestação.
Kamala, por sua vez, classificou de imoral a proibição do aborto até mesmo em casos de estupro e perigo à vida da mãe e disse que a decisão de interromper a gravidez não cabe ao Estado, e sim a cada mulher.
Demonstrando confiança, ela fazia expressões de estranheza, quase em tom de zombaria, enquanto Trump falava. Kamala convidou o espectador a ir aos comícios de Trump para comprovar que, segundo ela, o rival faz discursos incoerentes que entediam as pessoas e as fazem saírem mais cedo.
A discussão de aborto deu lugar à discussão sobre imigração e a fronteira sul dos EUA, o ponto mais vulnerável para a democrata. Trump utilizou a questão para repetir a notícia falsa de que imigrantes estariam comendo animais de estimação em Springfield, no estado de Ohio.
A mentira levou David Muir, em mais um momento de postura incisiva dos moderadores, a corrigir Trump, dizendo que a ABC entrou em contato com o município de Springfield e que não há relatos críveis de animais de estimação sofrendo violência por parte de imigrantes.
Questionado sobre como executaria a deportação em massa que promete, Trump não respondeu, mas disse que a criminalidade estaria caindo em lugares como a Venezuela porque o país estaria enviando criminosos aos EUA. Não há prova disso, e Muir tornou a corrigi-lo: a criminalidade nos EUA na verdade está caindo, segundo o FBI, disse o jornalista. Trump questionou os dados da polícia federal americana.
Kamala aproveitou o tema de criminalidade para reforçar que foi procuradora e para relembrar a ficha criminal de Trump. “Precisamos virar a página nessa velha e cansada retórica. Precisamos tratar do déficit habitacional, do crescimento dos pequenos negócios e reduzir o custo das compras no mercado”, em outro momento no qual utilizou um tema difícil para sua campanha a seu favor.
Em certo momento, Trump tentou explorar a vulnerabilidade de Biden, perguntando: “Onde está o nosso presidente?” Ao que Kamala retrucou: “Você não está concorrendo com Joe Biden, está concorrendo comigo.”
Ao ser indagado pelo mediador sobre o fato de ter questionado a identidade de Kamala como mulher negra, Trump disse não se importar com a raça da oponente e não admitiu o ataque anterior. Kamala rebateu dizendo que Trump sempre explorou e incentivou divisões raciais no país, como no caso dos “cinco do Central Park”, quando o ex-presidente pediu a pena de morte contra cinco jovens negros injustamente acusados de um estupro.
“Vocês ouviram nesta noite duas visões muito diferentes para o nosso país. Uma focada no futuro, e outra no passado. Mas nós não vamos retroceder”, disse Kamala em seu pronunciamento final, repetindo uma fala recorrente de seus comícios.
A democrata prometeu criar uma “economia da oportunidade” e ter as Forças Armadas “mais poderosas e letais do mundo”. Também disse que vai proteger os direitos das mulheres fazerem suas próprias escolhas. “Quero ser uma presidente de todos os americanos e focar no que podemos fazer nos próximos dez e 20 anos”, disse.
“Ela disse que vai fazer todas essas coisas maravilhosas. Por que ela não fez nada disso até agora?”, retrucou Trump na sua fala final, lembrando que Kamala está no governo. “Somos uma nação em declínio. Estamos sendo alvo de risos em todo o mundo”, disse. “Vamos acabar em uma guerra como nenhuma outra.” O ex-presidente encerrou com um ataque: “ela foi a pior vice-presidente da história do nosso país”.
FERNANDA PERRIN E VICTOR LACOMBE / Folhapress