‘Eu Mudei de Ideia’ une Matisse e ‘Blade Runner’ em espetáculo coeso

FOLHAPRESS – Uma massa humana maleável se aglomera no palco. Humana? Os bailarinos da São Paulo Companhia de Dança, vestidos com um figurino colado à pele que forma novas linhas e curvas no corpo, podem ser alienígenas, animais, seres fantásticos.

Em “Eu Mudei de Ideia”, coreografia do israelense Shahar Binyamini para a SPCD, o figurino também dança. As manchas azuis que transformam os corpos dos bailarinos criam não só ilusões de ótica, mas novas formas coreográficas nas ondas que levam um movimento ao outro e conectam o coletivo no palco, como sinapses.

Os corpos redesenhados remetem às mulheres da série “Nu Azul”, do pintor Henri Matisse e, mais vagamente, a alguns figurinos de acrobata criado por Pablo Picasso para “Parade”, coreografia de Leonide Massine de 1917 para os Ballets Russes.

São imagens depositadas em algum subconsciente coletivo de referências artísticas (já vi isso em algum lugar? Não, em 1917 você nem tinha nascido) que Binyamini pode ter usado com ou sem intencionalidade e o público pode ou não decifrar. Mas estão ali, sejam ou não reconhecidas.

“Eu Mudei de Ideia” é uma dança suavemente hipnótica, que leva o espectador para um presente carregado de passado e futuro. No aqui e agora do palco, uma linha do tempo imaginária une as técnicas do balé clássico às contemporâneas de forma orgânica.

Binyamini, formado na companhia israelense Batsheva, foi professor de Gaga, técnica criada por Ohad Naharin, ex-diretor do grupo, que explora a conexão entre as sensações, o movimento e a energia interna com a do grupo.

Em sua carreira solo como coreógrafo e diretor, Binyamini criou uma técnica própria, chamada “Creature”, centrada nas diferentes qualidades do movimento e na organização da energia instintiva dos corpos dançantes.

Na coreografia para a SPCD, sobressai a energia coletiva, intercalada por ótimos pas-de-deux nos quais a tensão sexual é embalada na fluidez dos corpos entrelaçados. A força do grupo dançando junto e ocupando o palco em todos os sentidos —os deslocamentos diagonais chamam a atenção em especial— remete a alguma dança tribal. Ou será uma rave? No passado do futuro, a música-tema do longa “Blade Runner” toca alguma corda na memória cultural do espectador.

Única estreia da companhia paulista na última semana da temporada que se encerra neste domingo (25), “Eu Mudei de Ideia” se insere em um programa iniciado com um clássico, a “Suíte de Paquita”, de Marius Petipa, remontada por Diego de Paula).

A criação de Binyamini vem logo depois de “Ibi: Da Natureza ao Caos”, de Gal Martins, estreada no ano passado na finada Temporada de Dança do Teatro Alfa. A sequência cria novas linhas de continuidade.

O programa que começa aéreo, com o clássico europeu em seu cenário de corte —candelabros de cristais descendo do teto e cortina de veludo vermelho ao fundo— desce ao solo com “Ibi” (terra ou “chão que se pisa” em tupi-guarani) e passa para o movimento espiralar de “Eu Mudei de Ideia”.

Nesta sequência, as criações da brasileira Martins e do israelense Binyamini parecem fazer mais sentido —e talvez a sensação de dança tribal do último tenha a ver com as inspirações e pesquisas de Martins sobre ancestralidade.

Mas também faz sentido a ordem da programação, e diz algo sobre a proposta da SPCD, de ser uma companhia de repertório que vai do clássico ao contemporâneo.

Se a escolha das coreografias tem a ver com variáveis que vão do conceito da temporada a questões orçamentárias, há aparentemente uma preocupação em juntar as pontas neste programa. Da mudança de planos (ar, terra, ondas) ao desenho de luz, aberto em “Paquita”, crepuscular em “Ibi” e sempre mudando de ideia na coreografia final —como fazem os figurinos, a iluminação de “Eu Mudei de Ideia” transforma os corpos e os movimentos—, que, em determinado momento, retorna ao veludo vermelho de “Paquita”, desta vez transformado em uma parede de luz.

‘SUÍTE DE PAQUITA’, ‘IBI: DA NATUREZA AO CAOS’ E ‘EU MUDEI DE IDEIA’

Avaliação Muito bom

Quando Sex, às 20h; sáb., às 16h e às 20h; dom., às 17h. Até 25 de junho.

Onde Teatro Sérgio Cardoso – r. Rui Barbosa, 153, São Paulo

Preço De R$ 50 a R$ 80

IARA BIDERMAN / Folhapress

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