EUA deveriam falar em disciplina fiscal em vez de apoio à Ucrânia, diz ex-tesoureira

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Ex-tesoureira dos Estados Unidos e membro das equipes de transição do Tesouro Presidencial entre 2008 e 2009 e entre 2020 e 2021, Rosie Rios atuou diretamente junto aos governos americanos nas duas maiores crises da história recente. Para ela, o grau de incerteza do pós-pandemia de Covid-19 é muito pior do que em 2008, quando uma crise financeira sucedida pela turbulência no mercado imobiliário americano resultou em uma grande recessão no mundo.

Rios ponderou que uma consequência da pandemia foi a radicalização da polarização política, o que dificulta a recuperação econômica. Ela acredita que os Estados Unidos deveriam estar mais preocupados agora com a disciplina fiscal, mas justamente devido a esse clima polarizado o país se volta para a guerra.

“Deveríamos estar falando sobre disciplina fiscal, mas estamos falando do quê? Suporte à Ucrânia”, afirmou nesta quarta-feira (27) durante painel em conferência do Banco Safra. Segundo a ex-tesoureira dos EUA, com a aproximação das eleições presidenciais americanas, que acontecerão em pouco mais de um ano, a politização dos discursos levará a uma piora da atenção com o equilíbrio fiscal.

Como consequência, houve um rebaixamento na nota de crédito do país pela agência Fitch Ratings em agosto deste ano, o que Rios classificou como “catastrófico”.

Para ela, a discussão sobre o aumento do teto da dívida americana não deveria ter acontecido. “Mesmo tirando o suporte à Ucrânia da mesa, ainda estamos com déficit orçamentário (…) e nós estamos muito além na parte de gasto do que deveria ter acontecido para este exercício fiscal”, afirmou. ” Eu acho que a coisa só piora com essas intervenções políticas”, disse.

Enquanto a economia dos EUA patina, Rios vê a geopolítica como um desafio a mais para o país. Ela enxerga uma ameaça real com a guerra entre Rússia e Ucrânia ganhando contornos ainda piores após a aproximação da China e da Coreia do Norte do confronto bélico.

Rios, porém, disse que essa situação foi herdada pelo atual governo do democrata Joe Biden, e afirmou que esses desafios seriam enfrentados inevitavelmente, independentemente de quem estivesse no poder.

Além desse aspecto político, Rios também vê desafios na sociedade que pioram a previsibilidade econômica. E ela acredita que esse cenário só está se deteriorando. “Esta é a primeira vez em que estamos em uma encruzilhada em relação a três tipos de dinâmica: a social, a política e a econômica”, disse. “Sinto pena desta geração.”

Segundo Rios, antigamente as pessoas tinham estabilidade no trabalho, com uma construção de carreira em uma mesma empresa. Hoje em dia, contudo, com as mudanças de dinâmica dos empregos acentuadas no pós-pandemia e o chamado trabalho híbrido, perdeu-se essa lógica e, com isso, as expectativas quanto ao futuro profissional.

A ex-tesoureira dos EUA lembra que, após a crise de 2008, houve um grande crescimento de geração de vagas na área de tecnologia, o que resultou no boom do Vale do Silício. “Isso gerou muitos empregos e que foram responsáveis por colocar a economia nos trilhos”, afirmou. Algo similar, contudo, não aconteceu no pós-Covid, segundo ela. “A mão de obra mudou.”

Isso aumenta as incertezas, segundo Rios, fazendo com que a desaceleração da economia vista na pandemia perdure até hoje. “Estamos lutando para nos recuperar por conta do nível de incerteza alto que perdura.”

“O que estamos vivenciando hoje não se compara em nada ao que vivemos naquela época [da crise financeira de 2008]”, disse. “Em 2008 houve um estresse constante, um medo constante a respeito da economia durante quatro meses, que não senti nunca mais”, disse.

Apesar de suas previsões alarmantes para o curto prazo, Rios se disse otimista quanto ao futuro, e afirmou que acredita na economia americana. Para ela, a manutenção da taxa de juros na última reunião do Federal Reserve (banco central americano) foi uma boa notícia.

Ela acredita que os juros devem se manter no patamar atual ao longo deste ano e devem subir novamente no primeiro trimestre de 2024, com uma pausa posterior no ciclo de alta.

STÉFANIE RIGAMONTI / Folhapress

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