SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, disse nesta segunda (26) que seu país não teve envolvimento no motim do grupo mercenário Wagner contra as Forças Armadas russas na sexta (23) e no sábado (24). Foi seu primeiro comentário público sobre a crise, debelada em acordo mediado por Belarus.
“Nós deixamos claros [aos russos]. que não estivemos envolvidos, nós não tivemos nada a ver com isso”, afirmou Biden. Os EUA são os principais apoiadores da Ucrânia na guerra contra a invasão russa promovida por Vladimir Putin em fevereiro de 2022.
A eventual participação de serviços de inteligência estrangeiros na crise, contudo, está sendo investigada pela Rússia. A informação havia sido dada mais cedo pelo chanceler russo, Serguei Lavrov, durante entrevista à rede estatal RT.
Ele ponderou, contudo, que havia recebido “sinais do embaixador americano” em Moscou negando interferência e qualificando a crise como “assunto interno russo”, senha diplomática importante para os russos.
A ideia de interferência externa em assuntos domésticos é uma obsessão histórica russa, mas que ganhou roupagem renovada nos anos 2000, quando países da antiga União Soviética passaram a registrar as chamadas “revoluções coloridas” usualmente vendidas assim, com tons heroicos, pela mídia ocidental.
Em comum, todas visavam reduzir a influência de Moscou sobre as sociedades e aproximar os países, como ocorreu na Geórgia (2003) e na Ucrânia (2004), da esfera ocidental. Analistas mais sóbrios apontam uma confluência de múltiplos fatores, como o desejo real por independência, disputas internas e o apoio do Ocidente aos eventos.
Seja como for, o caminho sempre foi acidentado. A Geórgia teve sua entrada na Otan (aliança militar ocidental) e na União Europeia abortada quando Putin resolveu a questão “manu militari”, em 2008. Em 2014, após um vaivém no comando do país, uma revolta mais violenta derrubou o governo pró-Rússia em Kiev.
Ato contínuo, Putin anexou a península da Crimeia, território historicamente russo que sedia a Frota do Mar Negro, e fomentou a guerra civil nas áreas separatistas pró-russas do Donbass (leste ucraniano). Ambos os fatos estão na raiz da invasão de 2022.
A ideia do combate às revoluções coloridas é compartilhada pelo principal aliado de Putin, o chinês Xi Jinping. Ambos já pregaram contra os movimentos em comunicados conjuntos, como quando se encontraram no começo deste ano. No caso chinês, o fantasma se apresentou em Hong Kong nas revoltas de 2019, que levaram à intervenção dura de Pequim contra o território semiautônomo.
No motim do fim de semana, até pelo recuo bastante claro do líder mercenário Ievguêni Prigojin, que procurou agora delimitar sua motivação na insatisfação com o Ministério da Defesa na condução da guerra e o enquadramento proposto pela pasta ao Grupo Wagner, é difícil identificar no momento onde entraria uma ação externa.
Claro, é de todo interesse dos EUA ver Putin enfraquecido. Mas as reações cautelosas no Ocidente também lembram o fato de que Washington e aliados não querem ver um caos instalado na Rússia, dona do maior arsenal nuclear do mundo. Esse é um dilema estratégico, já que o desejo de ver o presidente russo derrubado acaba confrontado com a realidade do dia seguinte.
O próprio Lavrov citou a questão nuclear, dizendo que os americanos estavam preocupados com o tema. Ao longo da crise, o ex-presidente Dmitri Medvedev afirmou que “os EUA não querem ver o arsenal nuclear russo na mão de bandidos”, um exagero retórico, pois não basta tomar uma base para poder operar uma arma atômica.
Seja como for, o motim não chegou perto, ao que tudo indica, de ameaçar o presidente de forma direta, ainda que evidentemente seja negativo para ele.
IGOR GIELOW / Folhapress