BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo dos Estados Unidos comunicou o Brasil que não poderá extraditar o blogueiro bolsonarista Allan dos Santos por delitos que os americanos veem como crimes de opinião, que estariam garantidos no direito à liberdade de expressão.
Os americanos disseram, contudo, que estão dispostos a dar prosseguimento ao processo contra Allan em relação a outros crimes, mas o caso está estacionado no gabinete do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
O envio de um ofício para o governo Lula (PT) foi seguido de uma reunião com autoridades americanas, no segundo semestre do ano passado, marcada por momentos de tensão.
O documento enviado ao Brasil não apresenta uma negativa clara ao pedido de extradição, que era baseado principalmente nos crimes de calúnia, injúria e difamação. Esses delitos não constam como passíveis de extradição, conforme um tratado entre os dois países.
Os americanos, por outro lado, enviaram no ofício questionamentos para dar prosseguimento ao procedimento de extradição pelos crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Os questionamentos dos EUA passaram pelo Executivo brasileiro, mas foram endereçados ao STF, órgão expedidor do pedido de prisão. A reportagem apurou que o documento já chegou à corte.
Depois disso, não houve nova movimentação no processo. O Supremo não enviou ao Ministério da Justiça novas informações, para que fossem repassadas aos americanos na tentativa de dar prosseguimento ao processo de extradição. O gabinete de Moraes foi procurado pela reportagem, mas não comentou o assunto.
O Ministério da Justiça informou que o processo está sob sigilo e não se manifestou.
O pedido de prisão preventiva é de outubro de 2021 e está há mais de dois anos sem desfecho o blogueiro está nos Estados Unidos desde quando ainda era investigado. No inquérito de fake news, ele foi acusado pelos crimes de calúnia, injúria e difamação.
Além disso, integrantes do governo Lula dizem acreditar que Allan dos Santos deu entrada em pedido de refúgio nos EUA, por causa do comportamento das autoridades americanas em relação ao caso o pedido de refúgio impede a extradição e deportação já a partir do início da tramitação, além de impor sigilo.
Allan é considerado foragido pela Justiça brasileira desde que foi ordenada sua prisão preventiva em 2021, no inquérito de fake news, relatado por Moraes.
O pedido de extradição chegou nos Estados Unidos no final daquele ano. Depois, quando Lula assumiu o poder, o Ministério da Justiça buscou o governo americano e a Interpol para tentar acelerar o processo, mas até hoje não obteve retorno.
Depois da resposta oficial, as autoridades dos EUA vieram ao Brasil para uma reunião no Ministério da Justiça para tratar do tema. Do lado brasileiro, estavam representantes da pasta e da Polícia Federal. Do lado dos EUA, agentes do FBI (a polícia federal americana) e integrantes de agências de imigração.
A argumentação dada pessoalmente no encontro foi a de que os crimes pelos quais a prisão de Allan dos Santos foi determinada não eram tipificados nos Estados Unidos. Mais do que isso: o comportamento do militante bolsonarista estava amparado na liberdade de expressão, segundo o entendimento dos americanos.
Em um dos momentos de maior tensão, as autoridades brasileiras veicularam um vídeo legendado em inglês com as falas golpistas de Allan dos Santos. De acordo com relatos, um dos representantes dos EUA então rebateu e disse que eram “só palavras”.
O comentário irritou os integrantes do Ministério da Justiça, à época comandado por Flávio Dino. Essa pessoa, ainda de acordo com relatos, afirmou que Allan havia cometido incitação e que aquele tipo de retórica tinha resultado nos ataques golpistas de 8 de janeiro.
Os brasileiros então perguntaram por que não seria possível deportar Allan, considerando que ele está sem passaporte o documento de viagem foi anulado por decisão de Moraes.
A negativa do lado americano de responder a esse questionamento levou o governo Lula a trabalhar com a hipótese de que o bolsonarista tenha pedido algum tipo de refúgio nos EUA, ainda de acordo com relatos colhidos pela reportagem.
O refúgio costuma ser concedido ao imigrante por fundado temor de perseguição por motivo de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política. Uma das diferenças em relação a outras modalidades, como o asilo, é que o processo de refúgio, enquanto tramita, prevê a suspensão de pedidos de expulsão ou extradição.
A embaixada dos EUA em Brasília foi procurada pela reportagem, mas informou que “como política da Embaixada e Consulados dos EUA no Brasil, não comentamos sobre questões de extradição”.
O advogado de Allan dos Santos, Renor Oliver, não comentou sobre o status do seu cliente nos Estados Unidos. Em nota, criticou o que chamou de ilegalidade e arbitrariedade de Moraes no processo, e disse ainda não ter tido acesso aos autos.
“Após mais de 29 meses do vazamento da decisão para a imprensa, os advogados do jornalista ainda não tiveram acesso aos autos do procedimento, desconhecendo a natureza da decisão e se existem provas que a justifiquem”, disse.
Além disso, Oliver se queixou de falta de retorno de Moraes em relação a outros pedidos feitos pela defesa.
O blogueiro é investigado por participação em suposta milícia digital com objetivo de atacar as instituições e a democracia. Allan tinha um canal de YouTube chamado Terça Livre e era considerado um dos principais influenciadores bolsonaristas, além de amigo dos filhos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Suspenso das redes sociais, Allan dos Santos hoje trabalha num portal chamado Revista Exílio, criado por ele nos Estados Unidos. De acordo com sua defesa, ele vende assinaturas e recebe doações.
Em sua decisão sobre o pedido de prisão contra Allan, Moraes citou trecho de representação dos investigadores que apontam vínculo entre o blogueiro e um invasor do Capitólio em janeiro de 2021. De acordo com a PF, o jornalista aderiu à tese de que houve fraude nas eleições dos Estados Unidos de 2020, quando foi eleito Joe Biden.
O pedido de prisão de Allan não contou com o apoio da PGR (Procuradoria-Geral da República), à época, sob o comando de Augusto Aras, indicado por Bolsonaro.
MARIANNA HOLANDA E RENATO MACHADO / Folhapress