EUA têm muito a aprender com o Brasil sobre reparações pela escravidão, diz professor de Illinois

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu acho que nossa sociedade nos Estados Unidos tem muito a aprender com o Brasil.” A afirmação de Marc Hertzman, professor de história da Universidade de Illinois, ocorreu após ele ser questionado sobre os motivos para decidir escrever um livro sobre Zumbi e o Quilombo dos Palmares.

Segundo ele, “After Palmares” [Depois de Palmares, em português], publicado em 2024, é o primeiro livro em língua inglesa a se debruçar sobre a história da maior comunidade quilombola das Américas.

“Eu acho que temos lições, dentro da história violenta e muito difícil de Palmares. Lições importantes sobre o que ocorreu no período da escravidão e, principalmente, em relação aos EUA, lições sobre as reparações em relação ao que aconteceu nesse período.”

Hertzman estuda e leciona a história do Brasil e da América Latina com especial interesse em raça, cultura, escravidão, trabalho e gênero. O seu livro sobre o Quilombo dos Palmares, que ainda não tem edição em português, não foi o primeiro com temática brasileira.

O historiador já escreveu “Making Samba: A New History of Race and Music in Brazil” [Fazendo Samba: uma nova história de raça e música no Brasil], em 2013. Em 2020, publicou seu segundo livro, sobre o álbum “Refazenda”, do cantor Gilberto Gil.

“É interessante para mim, o fato de que existe no Brasil um Dia da Consciência Negra. Que Palmares é reconhecido como um patrimônio nacional, que existem direitos para comunidades quilombolas”, diz Hertzman.

No último dia 21, o governo Lula, em nome do Estado brasileiro, pediu publicamente desculpas à população negra pela escravização e seus efeitos. A iniciativa ocorreu após ação movida pela Educafro Brasil, em maio de 2022. No acordo, a União assumiu a responsabilidade histórica.

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PERGUNTA – Por que escrever um livro sobre Zumbi e sobre o Quilombo dos Palmares em inglês? Por que levar esta história para os EUA?

MARC HERTZMAN – Eu diria que tive dois motivos. Primeiro é o fato de que nos Estados Unidos nós não temos um bom livro sobre Palmares e sobre Zumbi e essa é uma história que deve ser contada, não só nos Estados Unidos como no mundo inteiro.

Além disso, eu acho que nossa sociedade nos Estados Unidos tem muito a aprender com o Brasil. Eu acho que temos lições, dentro da história violenta e muito difícil de Palmares. Lições importantes sobre o que ocorreu no período da escravidão e, principalmente, em relação aos EUA, lições sobre as reparações em relação ao que aconteceu nesse período

P – Quais seriam essas lições?

MH – É interessante para mim o fato de que existe no Brasil um Dia da Consciência Negra, que [o Quilombo de] Palmares é reconhecido como um patrimônio nacional, que existem direitos para comunidades quilombolas.

Tudo isso é muito mais avançado do que nós temos aqui nos Estados Unidos. Eu sei que esse sistema que tem no Brasil não é perfeito, mas quando eu falo sobre isso para meus alunos aqui nos Estados Unidos, eles ficam muito surpreendidos. Eles entendem que estamos bem atrasados.

P – Zumbi e o Quilombo dos Palmares, essas são histórias conhecidas nos EUA?

MH – Os Estados Unidos sabem muito pouco sobre isso. Quer dizer, na verdade, tenho duas respostas para essa pergunta.

A primeira é que, no século 19, a história de Palmares, a história de Zumbi e de sua resistência chegou aos ouvidos abolicionistas aqui nos Estados Unidos. Dentro da comunidade negra aqui nos Estados Unidos, essa história foi um símbolo na época, mesmo que os detalhes sobre o que ocorreu não fossem exatamente corretos.

A segunda resposta é que hoje em dia poucas pessoas sabem sobre este assunto por aqui. Eu eu fiz um pequeno filme sobre Palmares que tenho passado em escolas primárias e secundárias. Eu tive a ajuda do historiador brasileiro Flávio Gomes. Ele me ajudou a escrever sobre isso. Eu levo o vídeo nas comunidades negras dos Estados Unidos também e para professores.

É muito impactante. Eles sabem os efeitos que a escravidão teve nos Estados Unidos, e quando conto que o número de pessoas trazidas da África para cá [EUA] representa menos do que 5% de todas as pessoas trazidas às Américas, eles ficam completamente surpreendidos.

Depois vem o impacto da história de Palmares e Zumbi, que é um dos capítulos mais fantásticos, interessantes e inspiradores. Eles ficam muito impressionados.

P – Em relação ao seu livro, “After Palmares”, qual é a ideia central?

MH – A ideia era saber o que aconteceu depois de 1695, depois da morte de Zumbi. O que aconteceu com os sobreviventes? Isso é um quebra-cabeça para historiadores. Não existe tanta documentação sobre o século 18.

Mas algumas coisas interessantes, por exemplo, são os documentos oficiais coloniais dizendo que eles não podiam deixar ocorrer outro Palmares, que precisavam evitar a todo custo. Então, existia um medo muito grande das autoridades da época em relação a Palmares, um poder simbólico que a comunidade ganhou na sociedade.

Outro caminho que busquei abordar no livro foi o significado espiritual de Zumbi dos Palmares. Para onde as pessoas acreditavam que ele foi e como a figura dele continuou sobrevivendo.

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RAIO-X | MARC ADAM HERTZMAN, 49

É professor de história do Brasil e da América Latina na Universidade de Illinois. Ele tem Ph.D. em história pela University of Wisconsin-Madison e é autor dos livros “Gilberto Gil’s Refazenda”, “Making Samba: A New History of Race and Music in Brazil” e “After Palmares”.

TAYGUARA RIBEIRO / Folhapress

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