LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Continente com o maior ritmo de aquecimento no planeta, a Europa enfrenta um número crescente de eventos climáticos extremos. Diante do cenário com cada vez mais ondas de calor, secas e enchentes, as autoridades europeias aceleraram os esforços para adaptar o território à nova realidade climática.
Desde a construção de diques e represas, passando pela instalação de dispositivos antienchentes e o reaproveitamento de técnicas tradicionais de construção, o velho continente vem tentando diferentes iniciativas para minar os danos dos desastres naturais.
Apenas em 2022, segundo a AEA (Agência Europeia do Ambiente), mais de 19 mil ações de adaptação climática foram reportadas por autoridades municipais europeias. Ainda de acordo com a entidade, todos os Estados-membros da União Europeia já adotaram alguma forma de estratégia nacional para adaptação às mudanças climáticas.
Um dos efeitos mais sentidos do aumento de temperaturas na Europa, assim como em outras partes do mundo, é a alteração nos padrões de chuvas. Não por acaso, as inundações são os desastres naturais mais comuns -e também os que mais provocam danos- na região. Por isso, as medidas de combate a esses fenômenos estão no topo das prioridades de adaptação em várias regiões.
Em muitos países europeus, a gestão das águas pluviais acontece na esfera municipal, o que faz com que várias cidades, mesmo as de pequenas dimensões, desenvolvam estratégias próprias.
Bratislava, na Eslováquia, tem desde 2016 um sistema de financiamento para que residências e empresas implementem medidas que aumentem a resiliência da cidade às chuvas intensas. O programa oferece um subsídio de 50% -até o máximo de EUR 1.000 (cerca de R$ 5.500) por candidatura- e já beneficiou mais de mil projetos, incluindo reservatórios de captação de águas pluviais, jardins em telhados e ações de drenagem urbana.
Várias cidades europeias têm investido também na reabertura de canais, reflorestamento das margens dos rios e até na devolução dos traçados mais próximos do natural ao curso das águas.
Um dos exemplos mais emblemático é o de Oslo, na Noruega, com o Hovinbekken. Depois de permanecer por muito tempo no subterrâneo da cidade, o rio voltou a céu aberto, contando ainda com áreas verdes otimizadas em vários trechos.
A tecnologia também tem sido uma aliada, principalmente com a disseminação e a queda nos custos de ferramentas de sensoriamento e de inteligência artificial, que têm permitido a criação de modelos de previsão de desastres naturais mais precisos.
Além de construir diques que controlam o fluxo de águas no entorno da cidade, Roterdã, na Holanda, implementou um avançado sistema de controle de inundações que integra sensores de detecção de chuva e ferramentas de previsão meteorológica. Essas ferramentas são integradas à gestão das barreiras, fazendo um uso mais eficiente e preciso dos recursos.
Santander, na Espanha, tem uma rede de mais de 20 mil sensores conectados na cidade, formando uma espécie de “cérebro artificial” que permite às autoridades antever inundações em determinadas áreas, bem como ativar precocemente planos de ação específicos.
Em julho de 2021, regiões na Alemanha e na Bélgica sofreram com enchentes de grandes proporções que, além de deixarem um rastro de destruição estimado em mais de EUR 44 bilhões (R$ 242 bilhões), causaram a morte de mais de 200 pessoas.
Desde então, as duas nações intensificaram os esforços para antecipar e, principalmente, comunicar os riscos à população. Na época do desastre, muitos moradores se queixaram de falhas no sistema de sirenes e de poucos alertas oficiais das autoridades.
Além de reforçar as inovações tecnológicas para prevenir as enchentes, a Alemanha redescobriu técnicas que deram certo no passado. Após as grandes cheias, verificou-se que edifícios tradicionais na cidade de Bad Münstereifel resistiram graças a uma técnica centenária de construção.
Os prédios tinham, escondidos sob o piso de pedra de seus porões, canais projetados para redirecionar a água das cheias diretamente de volta para o rio. O método facilitava a secagem rápida das paredes sem a necessidade do uso de bombas de drenagem, auxiliando na recuperação dos edifícios após enchentes.
Na avaliação de Henrique Evers, gerente de desenvolvimento urbano no instituto de pesquisa WRI (World Resources Institute) Brasil, a adaptação das cidades às mudanças climáticas passa primeiro pelo planejamento para encarar a nova realidade ambiental.
“O primeiro passo é o planejamento, uma visão de que as alterações globais são uma realidade e que, por isso, é preciso pensar toda a sua infraestrutura e planejamento de uso do solo a partir disso”, diz Evers.
“O outro passo é ter justamente os sistemas de alerta e de resposta, além da infraestrutura preparada para os impactos que o clima vai ter. Cidades adaptadas são as que têm planejamento para seu crescimento, desenvolvimento e, principalmente, para o tratamento dado às populações.”
As modificações, contudo, exigem investimentos e reconhecimento da urgência da mudança de paradigma. Para Evers, o Brasil, em especial o Rio Grande do Sul no cenário após as enchentes, terá o desafio de fazer essas adaptações mesmo com restrições financeiras.
“O Brasil vai ter de ser pioneiro e inventar uma forma para se adaptar a isso. Os grandes exemplos que existem são de cidades em países ricos, a gente vai ter que encontrar uma forma de se adaptar a esses impactos numa realidade que é brasileira”, destaca.
“Roterdã e outras cidades na Holanda, por exemplo, construíram centenas de diques com a melhor infraestrutura e com bons sistemas de monitoramento. Ou a China que, depois de uma série de enchentes criou as cidades-esponja [com drenagem avançada]. Mas são locais com uma capacidade de investimento gigantesca.”
Segundo ele, se o Brasil quiser verdadeiramente se adaptar às mudanças climáticas “precisa também transformar isso em prioridade nas decisões orçamentárias, tanto no poder público quanto no privado”.
No caso da União Europeia, além dos planos locais, o bloco tem, desde 2013, uma estratégia europeia de adaptação, além de outras iniciativas, como a legislação continental com diretivas para o clima e um pacote de medidas para a transição energética.
Apesar do pioneirismo global em termos de planejamento, a própria Agência Europeia do Ambiente, assim como várias instituições de pesquisa, reconhece que o ritmo de implementação das medidas permanece bem mais lento do que o necessário -sobretudo diante das perspectivas de intensificação de desastres climáticos.
“A urgência de partir para a ação e implementar medidas vai crescer, e há uma necessidade aumentar rapidamente o que nós já vimos que funciona nas cidades. Isso significa que as ações de adaptação tomadas devem focar não apenas os impactos locais que já estão acontecendo, mas também deverão proteger contra os impactos adicionais mais fortes previstos para o futuro”, afirma Evers.
GIULIANA MIRANDA / Folhapress