Evandro Cruz Silva, autor da Flip, expõe as armadilhas do embranquecimento

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É inevitável. Ao ter um novo livro em mãos, o leitor o folheia em busca de pistas sobre o que esperar da história.

Na última página de “O Embranquecimento” o que se encontra é uma confissão. “Escrevi este livro para tentar encontrar a história de alguém que vive uma certa solidão e que não sabe bem como vivê-la. Escolhi que esse alguém fosse uma mulher negra porque me interesso pela solidão feminina e porque não sei se consigo escrever sobre a minha.”

Quem escreve é o sociólogo e escritor Evandro Cruz Silva, 32, que apresenta seu livro na programação principal da Flip nesta quinta-feira (10).

Vencedor do Prêmio Nacional de Ensaísmo da revista Serrote em 2020, ele teve seu primeiro romance publicado em abril, pela editora Patuá. O livro conta a história de Macária, uma recém-doutora em ciências humanas e especialista em artes plásticas que, como qualquer pessoa negra em ascensão social, vive no limite entre mundos.

Filha de uma faxineira e de um dependente químico que habita as redondezas da praça Princesa Isabel, em São Paulo, ela se descreve como uma pobre qualificada —e admite ostentar o título acadêmico enquanto desconfia de que os garçons dos bares que frequenta ganhem mais do que ela.

Esse sentimento é comum aos milhares de negros brasileiros que foram bolsistas em escolas particulares, entraram por cotas nas universidades ou se tornaram os primeiros da família a conquistar um diploma.

É como um prato chique que enfim se pode provar e que se revela agridoce. Então, vem um amargor que pega de surpresa até quem estava preparado. Uma das origens desse sabor é perceber que a ascensão traz consigo mudanças que distanciam o que outrora era familiar, os que antes eram conhecidos.

Silva diz se identificar com essa experiência da personagem, especialmente no ambiente acadêmico — onde também estudou até se tornar doutor—, mas diz ter fracassado em construir um alter ego masculino. Por isso se desafiou a escrever sobre uma mulher.

Para além da solidão da mulher negra, mais associada às relações afetivas e românticas, o escritor buscou retratar a solidão vivida por pessoas que tentam solucionar intelectualmente seus problemas pessoais.

“É inescapável que isso leve a uma certa solidão, porque a intelectualidade é, em si, um empreendimento que te leva a momentos solitários. Estudar, refletir, analisar, é tudo solitário. E, quando você faz isso sobre si mesmo, uma parte do processo pede que se separe de si”, afirma.

O que Macária tanto busca analisar tem relação com sua cor parda —fruto da miscigenação, por anos instrumentalizada pelo Estado para alcançar um embranquecimento que “regeneraria” a população negra no Brasil. Assim como no quadro de Modesto de Brocos, “A Redenção de Cam”, pelo qual a personagem do livro é obcecada, sua mãe é preta e o pai é branco.

“Essa pintura está no centro da nossa cultura. Está em livros de ensino médio, em cartilhas, mas não tinha um romance que a colocasse no centro”, afirma Silva. A referência não traz inovação, mas dá ao escritor a capacidade de dialogar com os leitores —dos mais estudados aos com menor acesso.

Toda a narrativa, aliás, tem pontos de contato com a vivência negra. Dos desabafos conscientes sobre aspectos banais do cotidiano até sentimentos mais complexos, como o de competição em espaços majoritariamente brancos, o autor faz com que o leitor se sinta escutado.

Ele surpreende, porém, ao subverter os caminhos sugeridos pelo título e o quadro, especialmente nas relações românticas —Macária tem uma relação não monogâmica com a alemã Hannah e com Alberto, com quem tem Maria, uma bebê pretinha como a avó.

“Quando se vive em um país muito racista, são oferecidas várias oportunidades de embranquecer, para além da biológica. Ter uma família mais branca do que aquela que você veio, viver a vida tentando ser mais branco do que se é. É impossível viver sem sofrer racismo, mas dá para se tornar passivo frente aos problemas”, diz o autor. “Parte do nosso desafio é fazer escolhas.”

FLIP – MESA 7: PROFECIAS DO PASSADO

– Quando Quinta (10), às 21h

– Onde Auditório da Matriz, na Praça da Matriz, Paraty (RJ)

– Elenco Evandro Cruz Silva e Robert Jones Junior

O EMBRANQUECIMENTO

– Preço R$ 50 (182 págs.)

– Autoria Evandro Cruz Silva

– Editora Patuá

PAOLA FERREIRA ROSA / Folhapress

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