SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A doceira Carolina Maranhão, 43, demorou três anos para aceitar o convite da filha adolescente de irem as duas ao culto. Quando finalmente cedeu, “coisas maravilhosas começaram a acontecer para mim”, diz.
Na igreja Carol, que não namorava havia mais de uma década, conheceu um “bom varão”. Fez também novos amigos, que a ajudaram a engordar a clientela para seus bolos de pote.
Quando sua geladeira pifou numa enchente, a microempreendedora passou sufoco. Não tinha como preservar nem a comida do dia a dia nem os ingredientes que garantiam sua fonte de renda.
A pequena Assembleia de Deus que frequenta entrou em ação: os membros racharam uma cesta básica para sua família por dois meses. “E a gente já pagou o aluguel de uma colega que perdeu o emprego. Hoje ajuda, amanhã é ajudado, é isso aí.”
A presença da fé em seu cotidiano vai muito além das pregações que Carol escuta duas vezes por semana, num templo para não mais que 30 pessoas na zona leste de São Paulo. Pesquisa Datafolha revela a importância da igreja na vida de muitos evangélicos como ela, um papel que transborda do espiritual para o social.
Feito com 613 fiéis paulistanos entre 24 e 28 de junho, com margem de erro de quatro pontos percentuais, o levantamento mostra como os evangélicos valorizam os laços afetivos urdidos nas comunidades de fé. Ele foi formulado com colaboração dos antropólogos Juliano Spyer, colunista da Folha de S.Paulo, e Rodrigo Toniol, a socióloga Christina Vital e o cientista político Vinicius do Valle, todos estudiosos da área.
Numa escala de 0 a 10, 55% do segmento deu a nota máxima quando questionamos a relevância da religião para buscar ou manter relacionamentos amorosos. A pontuação média foi 8.
Já 76% dão 10 ou 9 para a função da crença nos planos profissionais e na vida financeira. Para 63%, ela ganha o mesmo destaque na hora de preservar amizades antigas ou fazer novas.
São 47% os que dizem já ter sido atendidos por algum projeto social da igreja. Com 18% das menções, o benefício mais lembrado são as cestas básicas, como a recebida pela doceira Carol, mas as respostas contemplam um arco mais amplo, de aula de música a apoio psicológico.
Não é pouca coisa para quem nem sempre tem acesso a serviços básicos na região onde mora, sejam eles públicos ou particulares.
A diarista Laurenice Alves, 38, coloca na conta de Deus o resgate do seu casamento, que anos atrás passou por um “momento difícil” que a deixou “bem abalada emocionalmente”.
Um versículo ao qual ela se apega: Pedro 5:7. “Lancem sobre Ele toda a sua ansiedade, porque Ele tem cuidado de vocês.” As palavras, conta Laurenice, também ampararam seu irmão numa fase complicada.
Ele penou por quatro anos “com uma profunda depressão”, daquelas que não melhoram nem tomando todas as medicações prescritas pelo psiquiatra. “Chorava, não saía de casa por medo, passava a noite sem dormir, abandonou o trabalho.”
O socorro espiritual se provou o melhor remédio, afirma a irmã, que é missionária numa igrejinha em Paraisópolis (zona sul paulistana), a Jesus Cristo Nossa Bandeira. “Indo aos cultos, recebendo a palavra de Deus, aos poucos ele foi ficando bem. Hoje voltou a viver a sorrir por meio de sua fé em Cristo”, diz.
Sua família se alinha aos 92% de evangélicos da cidade que, segundo o Datafolha, concordam com a premissa de que a igreja evangélica muda para melhor a vida das pessoas. Para 8 em cada 10 adeptos da religião, também é verdade que quanto mais fé, mais sacrifícios e mais disciplina, mais bênçãos terá o fiel.
O que inclui entregar o dízimo, como fazem 83% do grupo o repasse é mensal para 52%, semanal para 15%, e o restante se distribui entre outras frequências. Carol, por exemplo, já sabe que “a cada 10 bolos que vendo, a renda de um deles vai para a obra de Deus”. O caixa da igreja.
O evangélico no Brasil, na percepção de uma fatia considerável, não é benquisto pela sociedade. Metade dos entrevistados diz sentir que os crentes são desvalorizados no país, e 45% afirmam sofrer preconceito religioso que acontece sobretudo no trabalho, com familiares ou amigos, em espaços públicos e na escola ou faculdade.
Quando a missionária Laurenice se converteu, a birra veio principalmente de família e amigos próximos. “Diziam que agora eu vivia na igreja. Parece que somos chatos, que vamos apontar o erros dos outros.”
Durou um tempo até perceberem “que não é bem assim”, diz. “Que eu respeito a forma de viver de cada um.”
Só 3% do bloco mencionam as redes sociais como canal para escoar intolerância contra evangélicos. A plataforma predileta entre essa parcela cristã, aliás, é o WhatsApp, com 88% de aderência, seguido de Facebook (66%), Instagram (63%), TikTok (30%), Telegram (19%) e X, o ex-Twitter (10%).
É no Instagram que Carol, a boleira, acompanha vídeos pop entre pares de fé. Ela adora um formato viral, reproduzido em muitas igrejas, que coloca fiéis mulheres de um lado, homens do outro, e os dois grupos se alternam dizendo o que esperam de um varão ou uma varoa para casar. Melhor esquecer as que usam roupa curta, escutam funk e sejam vulgares. Nada a ver os moços que não sirvam na igreja, gostem de fofoca e apareçam “embalados a vácuo” (com roupa colada ao corpo).
Influenciadores evangélicos têm a estima de 48% dos crentes. Entre os nomes mais citados estão os das cantoras gospel Gabriela Rocha, Bruna Karla e Aline Barros. As mulheres dominam o ranking.
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress