Evasão e baixa procura comprometem cursos técnicos públicos de energia limpa

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Cursos técnicos públicos de energias renováveis enfrentam entraves para se manter vivos, como alto índice de evasão e baixa procura, apesar da necessidade de mais profissionais para ampliar o uso de energia limpa no país.

No fim de 2022, apenas 15 dos 40 ingressantes concluíram o curso na Etec (Escola Técnica Estadual) Getúlio Vargas, em São Paulo, que tem duração de um ano e meio.

Na Etec Prof. Horácio Augusto da Silveira, também na capital paulista, o curso presencial começou em 2024. Eram esperados 80 inscrições, mas tiveram pouco mais que 40. Já a falta de candidatos suficientes no vestibular impediu a abertura do curso na Etec Prof. Aprígio Gonzaga, na mesma cidade.

Técnicos em energias renováveis são responsáveis pela instalação e manutenção de fontes como painéis solares e usinas eólicas, entre outros.

“É preocupante esse cenário, porque a eficácia da transição energética depende da disponibilidade de profissionais qualificados”, afirma Fernando Caneppele, professor de energias da USP.

A oferta dos cursos no Centro Paula Souza, responsável pela formação técnica no estado de São Paulo, leva em conta a demanda do mercado e dos alunos. Cursos podem deixar de ser ofertados por um tempo determinado, mas não significa que serão encerrados em definitivo, segundo o centro.

A instituição paulista concentra o maior número de alunos entre organizações públicas, com 178 matriculados em sistemas de energias renováveis, segundo o censo escolar de 2023. Em seguida, vem o IFCE (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará), com 99 estudantes.

Nessa área, há apenas 609 alunos em cursos técnicos subsequentes públicos, que recebem estudantes após a conclusão do ensino médio. Nos privados, são 415 matriculados no subsequente. Entre os públicos, o número de estudantes salta para 4.281 se incluir as formações integradas ao ensino médio.

Existem 202 técnicos em energias renováveis no Brasil, segundo dados deste ano do CFT (Conselho Federal de Técnicos Industriais), atrás de setores como refrigeração e climatização, com 3.100 profissionais, e design de interiores, com 1.700.

Há 43 cursos públicos de sistemas de energias renováveis no Brasil, número menor do que em áreas como programação de jogos digitais, com 72 cursos, e informática para internet, com 550. Os dados são do Catálogo Nacional de Cursos Técnicos do Ministério da Educação.

Na Etec Getúlio Vargas, as aulas são em regime híbrido, com atividades presenciais apenas aos sábados. Apesar da flexibilidade, ainda há dificuldade em manter a frequência dos alunos.

Todo semestre é uma briga para a gente segurar os alunos

Coordenador do curso de energias renováveis na Etec Getúlio Vargas, em São Paulo

Segundo Carlos Orsetti, coordenador do curso, há turmas em que apenas 10 dos mais de 20 alunos matriculados comparecem às atividades presenciais.

Para Orsetti, o fato de a maior parte dos estudantes já estar no mercado de trabalho é um dos motivos para a evasão, por ser difícil conciliar a jornada em tempo integral e a formação no curso.

“Todo semestre é uma briga para a gente segurar os alunos”, afirma. “Usamos a criatividade para diversificar o ensino, para eles apreciarem e não perderem o gosto, e, ao fim do curso, pedimos que divulguem o vestibular.”

Lá, eles passaram a ofertar vagas remanescentes com o objetivo de aumentar o número de formados. Com isso, candidatos podem fazer uma prova de conhecimentos básicos para entrar em períodos mais avançados. A estratégia deu resultados positivos: este semestre terá 31 formandos, o maior número desde o início do curso.

A concorrência no Centro Paula Souza é de 5,3 candidatos por vaga. Os cursos mais concorridos são enfermagem, com 10 inscritos por posição, e desenvolvimento de sistemas, com 7,3.

Mesmo sendo um assunto que está em crescimento no mercado, ainda não tem pessoas procurando esse tipo de curso

Coordenador do curso de energias renováveis na Etec Professor Horácio Augusto da Silveira

Na Etec Professor Horácio Augusto, o curso existe desde 2022 no formato semipresencial. No entanto, o número de inscrições cai a cada ano, de acordo com Rodrigo Crisóstomo, coordenador do curso. No início, eram 90 candidatos e, no último vestibular, foram 60.

“Mesmo sendo um assunto que está em crescimento no mercado, ainda não tem pessoas procurando esse tipo de curso”, afirma. Ele diz que esse desafio é enfrentado não só nos técnicos de energias renováveis, mas em todos os subsequentes.

Os cursos de energias renováveis demandam equipamentos mais caros, como as placas solares, e na rede pública têm mais dificuldade para conseguir essa infraestrutura, de acordo com o professor Fernando Caneppele, da USP.

Parcerias com a indústria e contato com profissionais experientes podem elevar o engajamento dos alunos, segundo o professor.

“Alunos ganham o título, mas, às vezes, estão desconectados do mercado. Acaba ficando a cargo das empresas darem o treinamento necessário para que eles possam atuar na área”, afirma. Além disso, a divulgação é menor do que nos privados, com mais recurso para investir em propaganda.

No IFSP (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo) de Boituva o curso inicia no próximo semestre, com dois anos de duração.

A instituição foi uma das selecionadas em um edital do MEC e recebeu um investimento de R$ 300 mil para se tornar um laboratório de energia solar da rede federal, com maior infraestrutura para pesquisa e ensino.

Com o valor, o IFSP criou o laboratório maker e produziu peças de tecnologia educacional. Isso inclui uma ferramenta que simula placas fotovoltaicas, para que alunos entendam sobre a geração de energia elétrica por meio da luz solar.

Felipe Almeida, diretor do campus, diz que a evasão nos cursos técnicos subsequentes é maior do que nos concomitantes ao ensino médio, também devido ao fato de que os alunos já trabalham.

Segundo ele, a estrutura para o curso de energias renováveis será um atrativo para futuros estudantes. “O aluno se motiva e retém mais o conhecimento quando coloca a mão na massa.”

LUANY GALDEANO / Folhapress

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