SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Faltam três anos para que o primeiro eVtol, um pequeno veículo elétrico voador capaz de levar passageiros, fabricado pela empresa brasileira Eve, seja entregue aos compradores. O produto, embora ainda esteja sendo criado, já tem quase 3.000 encomendas.
Nos últimos meses, a Eve, controlada pela Embraer e com sede em São José dos Campos (SP), teve mais avanços em seu projeto: definiu quais serão os fornecedores de partes importantes e fechou novas parcerias e encomendas. Pelo cronograma atual, os primeiros veículos devem ser entregues em 2026.
No entanto, especialistas apontam que deve levar ainda algumas décadas até que a tecnologia ganhe espaço de fato, pois não basta ter os veículos: será preciso adaptar as cidades para recebê-los.
O eVtol (Veículo elétrico de decolagem e pouso vertical, na sigla em inglês), ainda não existe. Está em fase de projeto e os primeiros protótipos devem ser montados no segundo semestre de 2023. Se tudo correr como previsto, o primeiro voo experimental ocorrerá em 2024 –embora a empresa prefira não cravar a data do primeiro teste real.
Em junho, durante a feira Paris Air Show, a Eve anunciou a escolha de três fornecedores. A Nidec fará o sistema de propulsão do eVtol, a BAE Systems, o sistema de baterias, e a DUC, os rotores.
No mesmo evento, a companhia divulgou novas parcerias. Um acordo com a United Airlines pretende levar a tecnologia para a região de San Francisco, nos EUA. Na Europa, as parcerias com a Blade e a Widerøe Zero foram ampliadas. Houve também uma nova encomenda da irlandesa NAC.
Somando tudo, a Eve já conta com 2.850 pedidos, que devem gerar US$ 8,6 bilhões (R$ 41,2 bilhões). Com isso, a empresa teria cerca de 22% do mercado de eVtols, projeta o banco JP Morgan. Em uma análise recente, a entidade considerou a empresa em situação bem posicionada, de “protagonista em ascensão”.
O JPMorgan avalia que mercado de eVtols apresenta potencial de US$ 1 trilhão (R$ 4,79 trilhões), e pode chegar a US$ 3 trilhões (R$ 14,3 trilhões) até 2040, se ganhar espaço em áreas como transporte de carga e uso militar.
A Eve disputa uma corrida pelo lançamento dos primeiros eVtol com grandes nomes do setor aéreo, como a Airbus e a Boeing, e companhias jovens, como a chinesa EHang e a alemã Volocopter, criadas há alguns anos. A Eve foi criada pela Embraer e a tem como principal acionista, mas opera hoje como unidade independente e abriu seu capital na bolsa de Nova York em 2022.
As empresas apostam em modelos diferentes de eVtol, alguns apenas com rotores, que são mais simples. Versões mais complexas possuem rotores e asas, que podem mudar de posição para facilitar as manobras.
A consultoria Bain & Company avalia que o mercado de Vtols deverá sofrer uma concentração no futuro, e que as empresas que conseguirem colocar primeiro seus modelos no ar, terem solidez financeira, capacidade técnica e acesso aos principais mercados devem se destacar.
“Nesse contexto, a Embraer está muito bem posicionada. É uma empresa que tem demonstrado capacidade de desenvolver produtos aeronáuticos no prazo e tem sido muito ágil em desenvolver novos produtos”, diz André Castellini, diretor da Bain & Company em São Paulo.
“Do jeito que a tecnologia existe hoje, o Vtol deve acabar sendo mais um substituto do helicóptero. Seu custo deve ser menor que o do helicóptero, mas ainda não muito menor”, avalia Castellini. “O aumento significativo deste mercado só deve acontecer na segunda metade do século, e a dimensão total vai ser muito em função do custo”, projeta.
A Eve espera que os voos iniciais custem de US$ 50 a US$ 100 (cerca de R$ 250 a R$ 500) por passageiro, para trajetos de 10 a 15 minutos. Neste tempo, seria possível ir de Campinas a São Paulo, por exemplo.
Se o custo baratear muito, os novos veículos voadores poderiam competir até com o transporte urbano em carros autônomos. Mas esse cenário ainda deve demorar a acontecer, pois depende de uma série de fatores.
A chegada do Vtol deve gerar um novo ecossistema, que poderá ser integrado ao modelo de Maas (Mobilidade como serviço, na sigla em inglês). A ideia é que várias opções de transporte possam ser chamadas e pagas por um mesmo aplicativo.
Um exemplo: um usuário quer ir até o aeroporto, e na mesma tela pode ver em quanto tempo faria a viagem de transporte público, carro ou Vtol. A rota também poderia misturar modais, como ir de casa até o ponto de decolagem por um carro com motorista e depois voar de veículo elétrico até o destino final, e pagar tudo no cartão de crédito, em uma cobrança só.
Assim, empresas de mobilidade, como Uber e RATP –que opera os ônibus de Paris–, e de tecnologia, como a Microsoft, consideram formas de entrar neste mercado, para conectar viajantes aos novos veículos e ganhar com isso.
No entanto, não basta apenas colocar os veículos no mercado: é preciso construir uma nova infraestrutura de bases de pouso e decolagem e de pontos de recarga de energia elétrica, que precisará ser feita de modo rápido para que os Vtols voem por mais tempo.
Para isso, as cidades precisarão melhorar seu controle aéreo e ter conexões de internet mais rápidas e estáveis. A ideia é que os Vtols se comuniquem entre si e possam, no futuro, operar sem piloto.
“Com nível maior de automatização, você consegue ter mais veículos voando no mesmo espaço aéreo. Não só o nosso, mas também outros, como helicópteros e drones”, diz André Stein, Co-CEO da Eve. Isso permitirá cortar custos e baratear as viagens
No Brasil, a empresa tem trabalhado com parceiros para mapear as futuras operações em cidades como Rio de Janeiro e Porto Alegre. No Rio, por exemplo, foi feita uma simulação de como poderia funcionar a operação na cidade, usando helicópteros. Uma das rotas testadas foi entre a Barra da Tijuca e o aeroporto do Galeão.
Stein conta que a Eve ainda não definiu onde ficará sua fábrica no Brasil. A logística de entrega dos modelos também será diferente. “Geralmente você entrega e o próprio cliente a recebe e voa para a casa final da aeronave. Como o Vtol têm um alcance mais curto, de 100 km, você monta, voa, certifica e desmonta. Põe em dois contêineres e manda para o destino final, onde será remontada, de forma mais simples”, detalha.
O estudo da Bain&Company aponta que os países desenvolvidos e as metrópoles mais ricas do mundo devem receber os eVtols primeiro. “É um transporte que deve continuar sendo caro, e isso reduz o mercado endereçável no Brasil e na América Latina. O mercado ideal para esta forma de transporte são metrópoles, e as grandes cidades da América Latina, como São Paulo, se encaixam, mas tem que ter uma renda disponível para viabilizar isso”, avalia Castellini.
RAFAEL BALAGO / Folhapress