SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No último dia 9 de novembro, 11 mil mulheres se reuniram no Maracanãzinho, no Rio de Janeiro, para a segunda edição da conferência Juntas -um acrônimo para a frase Jesus uniu o nosso tempo para avivamento e salvação. O perfil do evento no Instagram, com mais de um milhão de seguidores, afirma que o objetivo do encontro foi fortalecer a fé e a unidade entre as mulheres cristãs. Podemos falar em feminismo para examinar esse evento?
A conferência foi organizada pelas pastoras Camila Barros, Gabriela Lopes, Midian Lima e Raquel Lima. Embora talvez não sejam amplamente conhecidas fora do público cristão, juntas somam mais de 10 milhões de seguidores nas redes sociais. O evento -cuja próxima edição já foi anunciada para o estádio do Maracanã- abordou temas como empoderamento feminino, saúde mental e espiritual, solidariedade, comunidade e crescimento pessoal.
Mas o que esse movimento representa em termos de mudança de paradigma na mentalidade evangélica sobre gênero?
A pergunta é relevante porque, apesar de o público das igrejas no Brasil ser majoritariamente feminino, raramente há movimentos dessa magnitude sem a presença masculina. Mesmo nas denominações menos conservadoras, as mulheres frequentemente ocupam papéis subordinados em relação aos homens. Daí a relevância de um evento que possibilita reflexões sobre o papel das mulheres na igreja e na sociedade.
Essa perspectiva está parcialmente ligada ao complementarismo -uma visão teológica presente em algumas tradições cristãs que defende que, embora homens e mulheres tenham igual valor e dignidade diante de Deus, desempenham papéis distintos, especialmente nos contextos familiar e eclesiástico. Muitas igrejas evangélicas, em variados graus, aderem a essa visão.
Conversei com Lúcia, uma advogada de 36 anos que participou da conferência no Maracanãzinho. Ela pertence a uma igreja independente, onde mulheres não têm poder de decisão administrativa. “O evento foi muito bom”, ela disse, “mas o que mais me impactou foi ver mulheres ensinando a Bíblia sem que isso fosse um problema”.
Conheço esse espanto de perto. Sou pastor presbiteriano há 18 anos e já participei de várias conversas com pessoas que desejavam entender por que as mulheres estão impedidas de desempenhar certas funções em nossa denominação. Em 2022, inclusive, fui signatário de um manifesto em apoio às mulheres presbiterianas que protestavam contra decisões da igreja que limitavam ainda mais a sua atuação.
Em muitos contextos, mulheres enfrentam questões específicas que podem ser mais bem compreendidas e abordadas por outras mulheres. Isso permite que a igreja atenda com mais eficácia às necessidades espirituais e emocionais da comunidade e contribua para que suas integrantes possam desempenhar melhor seus papéis na sociedade.
Após a conferência, a pastora Gabriela Lopes afirmou em uma entrevista: “Queremos que elas saiam daqui empoderadas pelo Espírito para vencer, para conquistar, para levar esperança para dentro das suas casas”. Em muitas igrejas, esse é o tipo de mensagem que impulsiona as pessoas em suas lutas cotidianas.
Em um evento exclusivamente feminino, essa fala ganha ainda mais força para expandir consciências. Imagino quantas mulheres naquele estádio eram as principais (ou talvez únicas) provedoras de suas casas. E quantas mães solo, avós que cuidam dos netos ou mulheres cristãs que optaram por viver solteiras estavam presentes. Afinal, nem todos os lares evangélicos seguem o modelo tradicional de família.
Consciente ou inconscientemente, o fortalecimento da comunidade cristã feminina abre caminhos para aproximação com temas sensíveis e relevantes, como a igualdade de gênero. Por mais delicada que seja a questão, a igreja evangélica não pode se abster de participar dessas conversas. Repito a pergunta: podemos chamar isso de feminismo?
Redação / Folhapress