SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Luis Moreno Ocampo, que foi o primeiro procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional, faz um apelo ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Para ele, o petista tem nas mãos uma oportunidade para consolidar a posição de liderança global do Brasil se soar o alerta para a grave crise humanitária que ameaça os armênios no enclave de Nagorno-Karabakh, no Azerbaijão.
Ocampo divulgou recentemente um relatório em que acusa os azeris de cometer genocídio contra os 120 mil armênios da região ao bloquear o corredor de Lachin, única ligação de Nagorno com a Armênia e com o resto do mundo.
“Lula poderia usar seu discurso de abertura na Assembleia-Geral da ONU para falar sobre a importância de se evitar um novo genocídio dos armênios”, diz Ocampo à Folha de S.Paulo. Ele também atuou como procurador no Julgamento das Juntas (1985), que condenou generais da ditadura militar argentina. “Seria uma chance de ouro para Lula exercer sua liderança global e consolidar a posição geopolítica do Brasil.”
Desde dezembro do ano passado, está bloqueada a passagem pelo corredor de Lachin, por onde se transportavam alimentos, remédios e ajuda humanitária da Armênia e outros países para Nagorno-Karabakh, enclave de maioria armênia no Azerbaijão.
Em fevereiro deste ano, o Tribunal Internacional de Justiça determinou que o Azerbaijão deveria adotar todas as medidas necessárias para restabelecer o livre movimento de pessoas, veículos e cargas pelo corredor. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha afirmou que não tem conseguido enviar carregamentos de ajuda humanitária para o enclave. Segundo a corte, há escassez de alimentos e remédios em Nagorno.
“Não há nenhuma justificativa para o governo do Azerbaijão não cumprir a determinação do tribunal”, afirma Ocampo. “Com o corredor bloqueado, Nagorno-Karabakh é um campo de concentração sem acesso a alimentos e remédios.”
A Armênia solicitou ao Conselho de Segurança das Nações Unidas uma intervenção.
Os conflitos em Nagorno-Karabakh remontam ao final da década de 1980, quando os dois países faziam parte da antiga União Soviética. Na época, Ierevan ocupou faixas de terra perto do território, chamado de Artsakh pelos armênios. A região foi retomada pelo Azerbaijão em 2020, depois de uma série de ataques que causaram a morte de mais de 5.000 soldados.
Nagorno-Karabakh é reconhecido internacionalmente como parte do Azerbaijão. No acordo de cessar-fogo para o conflito de 2020, mediado pelos russos, os azeris se comprometeram a deixar livre o acesso ao corredor de Lachin.
O governo azeri nega as acusações e afirma controlar Lachin como medida de segurança em razão do que chama de abusos por parte da Armênia. “Os esforços de paz entre Azerbaijão e Armênia se tornaram reféns da política deliberada de tensão e revanchismo armênio e enfrentam sérios desafios”, escreveu o Ministério das Relações Exteriores do Azerbaijão em um comunicado.
Em seu relatório, Ocampo afirmou que “não há crematórios ou ataques a golpes de machete. Inanição é a arma invisível do genocídio. Sem uma imediata e dramática mudança, esse grupo de armênios será destruído em poucas semanas.”
Ele afirma que a arma da inanição foi usada contra armênios no genocídio em 1915, judeus e poloneses em 1939, russos em Leningrado em 1941 e cambojanos em 1975.
Os Estados Unidos resistem em intervir de forma mais enérgica na crise humanitária.
O governo azeri afirma que pode entregar alimentos e remédios a partir da cidade de Aghdam, em vez de assegurar acesso via o corredor de Lachin.
Mas os armênios de Nagorno não querem ficar sujeitos à boa vontade do governo azeri de fornecer alimentos, e acham que é uma maneira de tornar a vida insustentável no enclave e fazer com que eles deixem a região. Há intensa hostilidade entre azeris e armênios.
Em entrevista ao canal Euronews em 2 de agosto, o líder do Azerbaijão, Ilham Aliyev, afirmou: “As pessoas que vivem em Karabakh….elas vivem no Azerbaijão. Eles deveriam escolher se querem viver como cidadãos e membros de uma minoria étnica, ou se querem ir embora.”
O Azerbaijão, grande produtor de petróleo e gás, é visto por potências ocidentais como um importante aliado contra o Irã e tem apoio dos EUA, Israel e Turquia.
“A posição do presidente Lula poderia ajudar a pressionar alguns países a se posicionarem e evitarem um genocídio”, diz Ocampo, que, à frente do TPI, liderou a condenação do ditador do Sudão Omar al-Bashir por crimes de guerra em Darfur.
Na Assembleia Geral da ONU, o presidente americano, Joe Biden. falará logo após o presidente Lula. A comunidade armênia dos EUA tem se mobilizado para que Biden seja mais assertivo, e Ocampo deve testemunhar em uma audiência no Congresso americano nas próximas semanas..
PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress