RIO DE JANEIRO, RJ E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ex-policial militar Élcio Queiroz fechou um acordo de delação premiada em que assumiu ter participado do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes e dá a sua versão sobre a execução do crime, que completa mais de cinco anos sem esclarecimento.
A existência do acordo foi anunciada nesta segunda-feira (24) pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, após uma operação da Polícia Federal e do Ministério Público do Rio de Janeiro prender mais um suspeito do crime e fazer busca de apreensão contra seis pessoas.
Marielle e Anderson foram assassinados a tiros no dia 14 de março de 2018. Eles voltavam de um evento na Lapa, e o carro onde estavam foi alvejado enquanto passavam pelo Estácio, também no centro do Rio. Em seu depoimento, Élcio confirmou a participação dele, do também ex-PM Ronnie Lessa e do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa no caso.
Élcio confessou ter dirigido o Chevrolet Cobalt prata usado no dia do assassinato de Marielle e afirmou que Lessa, no banco de trás, efetuou os tiros que mataram a vereadora e seu motorista. Já Maxwell Corrêa, conforme a versão, atuou na preparação do crime e na proteção dos envolvidos.
Maxwell, conhecido como Suel, foi o alvo da operação desta segunda. A defesa dele afirmou que só se pronunciará após ler todos os autos do processo. Élcio e Ronnie Lessa foram presos em 2019 e aguardam julgamento por júri popular sobre o caso.
Segundo Dino, a delação trouxe informações para esclarecer como o crime ocorreu, mas ainda falta avançar na descoberta de quem mandou matar a vereadora do PSOL e qual seria a motivação.
“Há um avanço, mudança de patamar da investigação. Ela se conclui no patamar da execução, e há elementos para um outro patamar, que seria investigação dos mandantes do crime”, declarou o ministro.
No depoimento, Élcio conta sua versão de como se envolveu no assassinato de Marielle. Ele e Lessa eram amigos e se conhecem há cerca de 30 anos. O delator disse que quem havia convidado Lessa para participar do assassinato foi o policial militar Edmilson Macalé, morto a tiros em 2021 na zona oeste do Rio. Além disso, o delator afirma que soube que a primeira tentativa de assassinato de Marielle aconteceu em 2017 e que um dos suspeitos pode ter ficado com medo e “refugou”.
Em 14 de março de 2018, Élcio afirma que estava em trabalhando como segurança particular, e às 12h recebeu uma mensagem de Ronnie Lessa pelo aplicativo Confide, conhecido por apagar as mensagens imediatamente após a leitura.
Lessa, segundo o delator, perguntou onde ele estava e quando seria liberado do trabalho e avisou que precisava dele para dirigir um veículo.
“Aí eu falei, mas qual foi, pra que é? Aí eu recebi uma imagem pelo aplicativo”, disse Élcio no depoimento, acrescentando que como resposta recebeu uma foto de várias mulheres reunidas. “Depois eu soube que era um evento da Casa das Pretas”, relatou, sobre o local onde Marielle estava naquela noite.
De acordo com o depoimento, Élcio não sabia o que seria feito e no momento do assassinato só escutou a rajada de tiros e sentiu as cápsulas caindo na sua cabeça e no seu pescoço.
“Ele já estava com o vidro aberto e eu só escutei a rajada”, disse, na delação. “Da rajada, começou a cair umas cápsulas na minha cabeça e no meu pescoço. Quem pensa que é pouco barulho… mas é muito barulho. Caíram as cápsulas em mim e ele falou ‘vambora’; e eu nem vi se acertou quem, se não acertou.”
No dia do assassinato, segundo a delação, só participaram da execução o próprio Ronnie e Queiroz. Já o ex-bombeiro Maxwell teria participado do planejamento do crime, tendo ficado de campana para vigiar e acompanhar a vereadora.
“O senhor Maxwell comparece nas investigações na preparação, inclusive na ocorrência de campana, de vigilância de acompanhamento da rotina da vereadora Marielle, e posteriormente no acobertamento dos autores do crime”, explicou o ministro Dino, ao falar da delação nesta segunda.
Élcio Queiroz afirmou ainda que Ronnie Lessa teve um “aumento muito grande” em seu patrimônio após o crime. De acordo com o delator, Lessa sempre afirmou a ele não ter recebido nenhum dinheiro para assassinar a vereadora.
“Depois do fato, vi um acréscimo muito grande, como se diz, no patrimônio [de Lessa]”, afirmou Élcio no depoimento, listando ter testemunhado a compra de uma Dodge Ram blindada, de uma lancha nova, além de viagens e planos para construção e reforma de uma casa de praia e da casa na capital do Rio de Janeiro.
“É muita coisa junto, se juntar não tem como comprovar [a versão de Lessa], porque a matemática é exata”, acrescentou o delator.
A delação ocorreu há cerca de 15 ou 20 dias e o acordo foi homologada pelo Poder Judiciário, segundo o ministro Dino. A operação desta segunda já foi decorrente do acordo.
No início do ano, Dino anunciou que a PF e Ministério Público do Rio passariam a trabalhar em parceria visando o andamento e a conclusão das investigações.
A ideia foi fortalecer a força-tarefa da Promotoria já existente destinada, exclusivamente, a apurar os desdobramentos dos mandantes do crime, para que a PF, que já acompanha o caso, auxiliasse de uma forma mais direta na investigação juntamente com a Polícia Civil do Rio de Janeiro.
“Esse trabalho conseguiu produzir provas novas. Em razão dessas provas colhidas, tivemos a colaboração premiada do senhor Élcio, ele confirma a sua própria participação, a participação de de Ronnie Lessa e traz os elementos relativos de Maxwell”, disse.
PROVAS INDICAM A PARTICIPAÇÃO DE MILÍCIA, AFIRMA DINO
Segundo o ministro Flávio Dino, novas provas colhidas pela Polícia Federal apontam para o envolvimento de milicianos no assassinato da vereadora Marielle Franco.
“Sem dúvida há a participação de outras pessoas, os fatos revelados e as provas colhidas indicam isso. Indica uma forte vinculação desses homicídios, especialmente da vereadora Marielle, com a atuação das milícias e o crime organizado no Rio de Janeiro. Isso é indiscutível”, disse Dino, ao falar com a imprensa após a deflagração da operação Élpis, primeira fase da investigação que apura os homicídios da vereadora, nesta segunda (24).
De acordo com o Ministério Público do Rio, os indícios que apontam para o envolvimento da milícia no caso passam, inclusive, pela participação do ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa no caso. Segundo os promotores, Suel já havia sido denunciado pela exploração do chamado “gatonet” isto é, receptações ilegais de sinais de TV que são distribuídas a moradores de um bairro mediante pagamento de taxas extras. A prática é comum em áreas de milícia.
A Promotoria afirmou ainda que só o desenrolar das investigação vai poder dar certeza da participação da milícia, mas que essa suspeita existe. Segundo o promotor Eduardo Martins, o envolvimento de Ronnie Lessa também pode ser visto como um indicativo, já que até sua prisão ele era suspeito de atuar como matador de aluguel.
“A questão das milícias, esse ambiente criminoso permeia até a origem do Ronnie Lessa. Existia a questão da história do crime e outros matadores, executores, que atuam nesse contexto do Rio de Janeiro”, disse Martins: “A gente vai exaurir essa prova para que possa determinar com certeza isso aí [o envolvimento da milícia]”.
O ex-bombeiro já havia sido preso sob suspeita de envolvimento no crime e obstrução das investigações. Ele cumpria a pena em regime aberto.
A primeira prisão do ex-bombeiro foi em junho de 2020. Recentemente, em março deste ano, o Tribunal de Justiça do Rio aumentou a pena de Maxwell pela condenação por obstrução das investigações sobre o assassinato. A sentença aumentou de quatro para seis anos e nove meses, que ele cumpria em regime aberto.
Além da prisão de Suel, seis pessoas foram intimadas a depor na operação desta segunda, mas apenas duas compareceram à sede da Polícia Federal, no Centro do Rio. São elas Denis Lessa, irmão de Ronnie Lessa, e Edison Barbosa dos Santos, suspeito de fazer o desmanche do carro usado na noite do crime. A Folha não conseguiu com a defesa deles nem dos outros intimados: um policial militar, o filho de um delegado da Polícia Federal.
Denis Lessa é suspeito de ter recebido uma bolsa do irmão, Ronnie, com as armas e ferramentas utilizados no assassinato da vereadora. Segundo a investigação, o material foi entregue a ele logo depois do crime.
A PF, no entanto, informou que ainda não há provas de que Denis soubesse previamente do crime nem que tivesse conhecimento do que tinha na sacola que lhe foi entregue pelo irmão.
Já Edilson Barbosa dos Santos, conhecido como Orelha, teria sido quem o responsável pelo desmanche do carro usado no crime. O descarte, segundo a investigação, foi feito em Rocha Miranda, na zona norte.
CAMILA ZARUR, FABIO SERAPIÃO, RANIER BRAGON, RAQUEL LOPES E JOSÉ MARQUES / Folhapress