No parecer enviado ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra a inclusão de mulheres em funções mais combatentes, o Exército anexou um estudo realizado por forças armadas estrangeiras que mostra “clara vantagem física dos homens”.
Os dados são utilizados pela Força para justificar que a inclusão de mulheres em armas de combate, como a Infantaria e a Cavalaria, pode “comprometer o desempenho militar em operações”.
O estudo citado pelo Exército analisou o desempenho de homens e mulheres em cinco exercícios diferentes. Foram avaliadas a potência aeróbica, a potência anaeróbica, a força muscular geral, a força muscular dos membros inferiores e a força muscular dos membros superiores.
Nessa análise, as mulheres tiveram desempenho médio de 20% a 45% pior que o dos homens, a depender do exercício testado.
A Força ainda realizou um estudo próprio para analisar as condições físicas dos homens e mulheres que entraram na EsPCEx (Escola Preparatória de Cadetes), a porta de entrada da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras).
O teste consistia em colocar os alunos para marcharem 12 km, utilizando capacete, fardo aberto, mochila com peso de 18 kg e armamento de mais de 4 kg.
“A conclusão do estudo, que foi realizada em duas etapas, a primeira em 2017/2018 e a segunda em 2020, foi a de que, em relação à aptidão muscular, houve decréscimo da força isométrica máxima de membros inferiores, que possui forte relação com a integridade musculotendinosa e massa óssea, influenciando no risco de lesão, especialmente para as militares do sexo feminino na linha de ensino militar bélica em 2017.”
O Exército apresentou os dados dos estudos para defender que a participação feminina nas armas combatentes seja avaliada a longo prazo, diferentemente do que a PGR (Procuradoria-Geral da República) pede em ação no STF.
A subprocuradora Elizeta Ramos afirma que a proibição de mulheres entrarem em determinadas carreiras nas Forças Armadas é discriminatória. “Não há fundamento razoável e constitucional apto a justificar a restrição da participação feminina em corporações militares.”
Apesar das constatações dos estudos citados pelo Exército, os resultados obtidos pelas mulheres que entraram na Aman entre 2018 e 2020 foram considerados satisfatórios, com a maioria dos resultados entre bom e excelente, segundo os critérios estabelecidos pela Força.
A análise dos dados foi feita pelo major Rafael Mariotoni em seu trabalho de conclusão do doutorado no curso da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, em 2021.
Ele analisou os resultados obtidos pelos alunos homens e mulheres da EsPCEx no treinamento físico militar durante três anos.
As pontuações dos testes são fixadas em uma portaria do Exército, que define o padrão do desempenho físico dos militares. O treinamento é um requisito para os alunos avançarem na formação das academias militares.
O documento estipula que as exigências físicas das mulheres são menores que as dos homens. Na natação, por exemplo, o resultado excelente é atribuído aos alunos que nadarem 50 metros em até 38 segundos; para as alunas, o tempo para o mesmo escore é de 44 segundos.
A definição de padrões diferentes para homens e mulheres é comum nos países que permitem a participação feminina em funções de combate, que atuam na linha de frente em conflitos armados.
Em 2018, 95% das mulheres obtiveram resultado considerado satisfatório. Os homens tiveram desempenho ligeiramente melhor, com 99% dos resultados no mesmo patamar.
Os resultados variaram nos anos seguintes. Em 2019, 69% das mulheres tiveram resultados satisfatórios e 31% não realizaram o treinamento.
O resultado dos homens foi satisfatório para 90% e insatisfatório para 2%; do total de alunos, 8% não realizaram o teste.
Em 2020, os resultados de todos os homens e mulheres que realizaram o treinamento foram considerados satisfatórios, com ambos os sexos conseguindo a maior parte das notas na pontuação considerada excelente.
Os resultados seguiram o mesmo padrão nos treinamentos físicos de flexão de braço. Já no teste de corrida de 3 km, houve alto índice de reprovação de mulheres, com 29% de resultados insatisfatórios em 2018 e 11% em 2019.
Diante dos resultados, o Exército afirmou que a “evolução prudente e responsável das mulheres para os cursos combatentes da Linha de Ensino Militar Bélico deveria aguardar mais alguns anos, até que sejam obtidas mais informações a respeito das consequência da atividade militar sobre a saúde física e mental dessas militares”.
Em complemento, a Força afirmou em nota que tem coletado dados de uma amostra de 600 oficiais e sargentos do sexo feminino durante dez anos.
“Tal fato vem fornecendo importantes subsídios para a preparação física do segmento feminino, de sorte que os padrões coletivos necessários para a operacionalidade da tropa sejam atingidos tanto pelas mulheres, como pelos homens que integram a Força Terrestre.”
O Exército ainda disse que, nos próximos cinco anos, 16 mulheres estarão em condições de concorrer à promoção ao generalato –fato inédito na Força no Brasil. Já as mulheres que entraram na Aman em 2018 deverão concorrer à promoção somente em 2055.
A ação da PGR que questiona os limites da participação feminina no Exército está sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, no STF.
Outras duas ações semelhantes, direcionadas à Aeronáutica e à Marinha, ficaram com os ministros André Mendonça e Kassio Nunes Marques.
Como a Folha de S.Paulo mostrou, os argumentos apresentados pelos militares brasileiros para justificar o veto às mulheres seguem na contramão das principais Forças Armadas do mundo, como os Estados Unidos e outros países-membros da Otan (Organização do Tratado Atlântico Norte).
Os impedimentos à participação feminina foram derrubados em sequência a partir dos anos 2000, quando uma série de decisões de presidentes e ações na Justiça determinaram a inclusão das mulheres nas armas combatentes e na tripulação de submarinos –as últimas barreiras da maioria dos países analisados.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress