BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A turma da Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) de 2000 é a próxima a entrar no ciclo de promoções a coronel, em 2024, e o tenente-coronel Mauro Cid estaria, pelo histórico nas Forças Armadas, entre os primeiros lugares na corrida pela terceira estrela de fundo dourado.
As suspeitas que pesam contra o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), porém, trarão uma circunstância vista como inédita pelo Exército, que já provoca discussões na tentativa de evitar novos desgastes envolvendo militares.
De um lado, interlocutores do comandante da Força, general Tomás Paiva, avaliam que ele deve buscar alguma forma de segurar a promoção de Cid, que firmou acordo de delação premiada com a Polícia Federal em meio a uma série de investigações no período em que foi braço-direito de Bolsonaro -como nos casos das joias, de golpismo e de fraude à carteira de vacinação.
De outro, generais ouvidos pela Folha de S.Paulo dizem que Cid não poderia ficar sub judice e ter a promoção congelada porque não é réu.
As promoções estão previstas para abril, agosto e dezembro de 2024. Colegas de Cid ouvidos pela reportagem veem possibilidade de o ex-ajudante de ordens conseguir progredir na carreira na primeira oportunidade, já que é considerado o cabeça da turma.
Coroado com o 1º lugar do mestrado da ESAO (Escola Superior de Aperfeiçoamento de Oficiais), prêmio que fica exposto em medalha na farda de Cid, o tenente-coronel deve enfrentar resistência enquanto estiver sendo alvo da PF, mesmo com o acordo de delação premiada.
Qualquer decisão sobre o assunto, porém, só será tomada às vésperas do fim do processo de promoção, na expectativa de que a Polícia Federal já tenha concluído a investigação e o Ministério Público, oferecido denúncia sobre os casos que envolvem Cid.
A lei que define os critérios e processos para a promoção de oficiais das Forças Armadas é de 1972, período de endurecimento da ditadura militar, sancionada pelo general Emílio Garrastazu Médici.
O decreto que regulamenta as promoções é de 2001, período em que o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) tomava medidas duras de restrição orçamentárias e de benefícios dos militares.
Pelas normas do Exército, as promoções são analisadas pela Comissão de Promoções de Oficiais. O grupo é composto por 18 generais e presidido pelo chefe do Estado-Maior do Exército.
O colegiado analisa ao menos nove critérios básicos, como o rendimento escolar, o desempenho nos cargos ocupados e a capacidade de chefia e liderança.
Os militares que se tornam réus em processos criminais ficam sub judice e têm a carreira congelada à espera do julgamento.
No caso de Cid, que é delator mas nem sequer foi indiciado, a Comissão de Promoções de Oficiais pode alegar outros motivos para definir que o militar não está habilitado a concorrer à progressão da carreira.
Uma das decisões possíveis é excluir Cid da disputa ao posto de coronel sob o argumento de ser “incapaz de atender” aos requisitos estabelecidos como “conceito profissional e conceito moral”. A decisão final cabe ao comandante da Força.
Neste caso, o militar seria submetido a um Conselho de Justificação que julgará se ele é digno de pertencer à Força –com a possibilidade de expulsão do Exército.
A cúpula militar, no entanto, espera uma eventual condenação de Mauro Cid para instalar o Conselho de Justificação ou ver o militar ser expulso da corporação pelo STM (Superior Tribunal Militar).
A resolução do impasse é estudada por generais próximos ao comandante do Exército. Por outro lado, três colegas de Cid afirmaram à Folha que um possível veto à promoção do tenente-coronel seria uma decisão política que aumentaria a resistência dos militares à atuação da cúpula da Força.
“O Centro de Comunicação Social do Exército informa que, para fins de promoção, o Tenente-Coronel Mauro César Barbosa Cid se encontra nas condições previstas no Art. 35, da Lei 5.821, de 10 de novembro de 1972. A Comissão de Promoções ainda não iniciou a análise para o processo de promoção da referida Turma de formação”, disse o Exército, em nota, destacando o artigo que define quando um militar está proibido de disputar a promoção.
A reportagem não conseguiu contato com Mauro Cid.
Como a Folha de S.Paulo mostrou em janeiro, em perfil sobre Cid, o tenente-coronel recebeu do próprio general Tomás Paiva, em 2018, o aviso de que havia sido selecionado para chefia da ajudância de ordens do recém-eleito presidente Jair Bolsonaro.
À época, Tomás era chefe de gabinete do comandante Villas Bôas, que havia escolhido Cid para o cargo pelo fato de seu pai, o general da reserva Mauro Cesar Lourena Cid, ser amigo próximo de Bolsonaro desde quando ambos eram cadetes na turma de 1977 na Aman.
Quatro anos e dois meses depois, Tomás ligou novamente para Cid, já como o chefe do Exército, para avisar que o militar não assumiria mais o 1º BAC (Batalhão de Ações de Comandos), em Goiânia (GO), por decisão do presidente Lula (PT) e do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.
O batalhão goiano é o principal das Forças Especiais, a tropa de elite do Exército, e assumir o disputado cargo de chefia do 1º BAC é sinal de que o caminho para o generalato está traçado.
Cid, porém, passou a responder a uma série de ações na Justiça pelo trabalho ao lado de Bolsonaro.
É investigado por participar da organização de uma live em que o ex-presidente fez ataques contra o sistema eleitoral; por suspeitas envolvendo a gestão de recursos da família presidencial; pela venda de joias de Estado, recebidas por Bolsonaro, após o fim do mandato de presidente; e pela falsificação de cartões de vacinação, para ingresso nos Estados Unidos.
Mauro Cid ficou preso por mais de quatro meses até ser solto, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), após o militar ter fechado um acordo de delação premiada com a Polícia Federal.
Ele precisa cumprir uma série de medidas restritivas, como evitar contato com outros investigados, usar tornozeleira eletrônica e comparecer semanalmente à Vara de Execuções Penais do Distrito Federal.
Com a delação, os investigadores pretendem avançar nas apurações sobre a venda das joias e os planos golpistas discutidos entre Bolsonaro, militares e aliados.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress