RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O Exército proibiu nesta sexta-feira (29) o acesso público à monografia escrita pelo general da reserva Mario Fernandes, personagem central na trama golpista apontada pela Polícia Federal, na conclusão de curso da Escola de Comando e Estado-Maior da Força (Eceme).
A reportagem esteve no local na manhã desta sexta para consultar a obra. A monografia “Comando de Operações de Unidades Especiais (COpUEsp): análise crítica”, defendida em 2002, chegou a ser entregue e consultada por cerca de 10 minutos. Contudo, a bibliotecária responsável comunicou ao repórter que a obra era sigilosa. Sem esclarecer o motivo da restrição de acesso, retirou o livro da mesa em que estava.
O trabalho de Fernandes estava na mesa do soldado que atendeu a reportagem ao chegar ao local. Segundo a bibliotecária, ele havia sido consultado na quinta-feira (28) por uma “pessoa interna”.
Procurado, o Exército não se manifestou até a publicação desta reportagem sobre as razões do sigilo.
As monografias de conclusão de curso de anos mais recentes estão digitalizadas no site da Biblioteca do Exército. Reportagem da Folha de S.Paulo de segunda-feira (25) descreveu os trabalhos de outros três oficiais presos pela PF que frequentaram a escola entre 2017 e 2024.
O general da reserva integra a lista de 37 indiciados pela PF sob suspeita de atuar na trama golpista no final do governo Jair Bolsonaro (PL). O relatório final das investigações foi enviado à PGR (Procuradoria-Geral da República), a quem cabe agora decidir se arquiva o caso, pede mais investigações ou denuncia os suspeitos à Justiça.
De acordo com as investigações, o oficial era um dos maiores incentivadores da trama golpista, tendo inclusive escrito uma carta ao então comandante do Exército, general Freire Gomes, o instigando a aderir à movimentação.
Ele está em prisão preventiva desde o dia 19. A defesa do militar, feita pelo advogado Raul Livino, diz que só se manifestará após se encontrar com ele no presídio, na próxima semana, no Rio de Janeiro.
O trabalho de Mario Fernandes versa sobre uma análise crítica do COpUEsp, comparando com estruturas semelhantes em outros Exército do mundo. Ele também encerra o estudo com uma proposta de organograma para o Comando que viria a dirigir em 2018 -já com o nome de Comando de Operações Especiais.
“No Brasil, em que pese o estado embrionário em que se encontram as unidades especiais, as autoridades militares já sentiram a importância de suas Forças Especiais nos campos social, econômico, político e militar do país, de modo a priorizarem seu adestramento e equipagem”, afirma o general no texto.
“O Comando de Operações de Unidades Especiais, comando enquadrante dessas unidades, no entanto, ainda não é uma realidade, tornando-se primordial o conhecimento e o entendimento das ideias motivadoras de sua criação, bem como as vantagens e desvantagens de sua concepção.”
O trabalho foi concluído quando Mario Fernandes era major. Ele dedica agradecimento especial ao general Luiz Eduardo Ramos, ex-ministro de Bolsonaro de quem foi número dois na Secretaria-Geral da Presidência, “cuja liderança e exemplo profissional foram fontes de inspiração para esse trabalho”.
Também cita o general Cesar Augusto Nardi de Souza, membro do Alto Comando do Exército até 2021 e integrante da banca de avaliação.
Mario Fernandes integrou o 1º Batalhão de Forças Especiais entre 1988 e 1993 e o comandou em 2008, unidade dos chamados “kids pretos”, designação popular da tropa em razão dos gorros pretos usados por seus integrantes. A especialidade está no centro da investigação da PF sobre organização criminosa que atuou durante o governo Bolsonaro, segundo a PF.
Criada em 1905 como Escola de Estado Maior, com sede no bairro da Urca, zona sul do Rio de Janeiro, a Eceme é a mais alta e prestigiada escola do Exército. Destina-se a formar oficiais superiores para funções de estado-maior, comando e outras privativas de alto escalão.
Na década passada, teve reconhecidos mestrado acadêmico e doutorado, abertos a civis, pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), que supervisiona o ensino de pós-graduação no país.
ITALO NOGUEIRA / Folhapress