SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma expedição subaquática revelou a extensão e a diversidade da cadeia de montanhas de corais Vitória-Trindade, a cerca de 150 km da costa do Espírito Santo.
Chamadas de colinas coralinas, devido à sua composição a partir de algas coralináceas, elas formam uma cordilheira submarina com extensão aproximada de 1.100 km em direção ao mar aberto, até a ilha de Trindade.
Os morros encontrados, como o intitulado Davis, estão a uma profundidade que varia de 60 a 70 metros, com os cumes a cerca de 17 metros da superfície.
Segundo estudo publicado na revista Coral Reefs por pesquisadores da Universidade Federal do Espírito Santo, do Cebimar (Centro de Estudos de Biologia Marinha da USP) e da Academia de Ciências da Califórnia, os montes submarinos ali presentes são um ambiente único para o estudo da ecologia e da evolução da vida marinha.
“É uma formação singular, única, com uma grande diversidade de organismos bentônicos [que vivem associados ao fundo do mar], como corais, esponjas, ouriços, outros tipos de algas e, claro, muitos peixes que ali se alimentam e buscam abrigo”, explica o pesquisador Hudson Pinheiro, do Cebimar e da Academia de Ciências da Califórnia e um dos coordenadores do estudo.
A composição das colinas coralinas é de algas calcárias, que possuem um esqueleto em forma de “esponja”. “A parte de dentro é de esqueleto calcário, cheia de buracos, permitindo a passagem de água, enquanto a parte de cima tem uma riqueza de formas”, descreve Pinheiro.
O arquipélago de Vitória-Trindade abriga uma base militar da Marinha desde 1957, mas a diversidade do local ainda é pouco explorada –uma exceção foi uma expedição submarina francesa na década de 1980. O novo estudo desvenda a complexidade de formas das colinas de uma maneira inédita.
“As informações existentes até então eram de estudos com dragas [espécie de barco que consegue escavar e remover parte do fundo do oceano] e de mapas náuticos, além de peixes que eram pescados ali na região, mas ninguém tinha feito uma expedição subaquática com mergulho”, explica o pesquisador.
Pinheiro e colegas passaram 17 dias observando os montes submersos. Para esse trabalho, foi necessário trazer da Califórnia uma câmara hiperbárica e equipamento de mergulho (como cilindros) de profundidade.
No período, os cientistas registraram em fotos e vídeos os organismos ali presentes, incluindo novas espécies de peixes endêmicos (que só existem ali).
O estudo concluiu, assim, que os morros abrigam uma diversidade incrível: cerca de 90% das espécies encontradas eram desconhecidas pela ciência.
“A quantidade de espécies de peixes pode ser considerada a maior do Brasil e uma das maiores do Atlântico. Além da fauna muito bem preservada, as algas coralinas são totalmente diferentes dos ecossistemas existentes em outros lugares do mundo”, disse Pinheiro, que é também membro da RECN (Rede de Especialistas em Conservação da Natureza), da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.
A concentração de biomassa –grosso modo, a quantidade de organismos que ocupa um determinado ecossistema ou biota– de peixes recifais foi considerada pelos pesquisadores a maior do oceano Atlântico. Chamou a atenção a diversidade de tubarões e outros peixes grandes, que contribuem para a manutenção desse ecossistema.
Os cientistas destacam, no entanto, que, ao longo dos anos, esses organismos vêm sofrendo com o impacto da atividade humana na região.
Entre as principais ameaças estão a pesca de espinhel de fundo, um tipo de equipamento utilizado para pegar peixes de interesse comercial, mas que também acaba capturando incidentalmente tubarões e tartarugas-marinhas. Outro fator é o uso humano da maior ilha, a de Trindade.
Em 2018, uma portaria emitida pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes para a Biodiversidade) definiu a área como de uso sustentável, à exceção de duas regiões que têm proteção integral (chamadas Unidades de Conservação), o monte Columbia e o Martim Vaz. Nelas nenhuma atividade pesqueira é permitida.
“Um grande desafio é que esse arquipélago está muito distante da costa e tem uma extensão muito grande. Nós temos um monitoramento por meio do cadastro de embarcações autorizadas para exploração na área de proteção ambiental, mas eventualmente embarcações não autorizadas podem praticar a pesca ilegal”, explica Júlio Silva, geógrafo do ICMBio e gestor da unidade de conservação.
Em nota, a Marinha do Brasil ressalta que as ilhas oceânicas brasileiras são bens da União, com proteção dada pelo decreto n° 9.312, de 2018.
“A Marinha tem contribuído com o órgão [ICMBio] na elaboração do plano de manejo e na realização de estudos na ilha”, diz. Desde 2007, a Marinha coordena o programa de pesquisas Protrindade.
Pinheiro destaca que um dos principais obstáculos do Brasil hoje para se colocar como protagonista na chamada década dos oceanos, preconizada pela ONU (Organização das Nações Unidas) até 2030, é a falta de investimento em pesquisa oceânica.
“Fizemos um pedido à Unesco para incluir o arquipélago como uma reserva da biosfera, mas houve resistência por parte de alguns agentes do Estado”, conta. “É preciso pensar que, para se propor medidas de preservação e uso sustentável dos recursos, todos os órgãos precisam atuar de maneira organizada, porque a gente tem um conjunto de ecossistemas endêmicos e únicos sendo explorados sem termos ideia direito do que existe lá.”
ANA BOTTALLO / Folhapress