SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – De uma base de cerâmica no chão, duas hastes metálicas se erguem em paralelo até encontrar uma forma cilíndrica que se alonga levemente na horizontal. Numa extremidade, uma esfera laranja e irregular repousa estável; na outra, uma fina haste arqueada ganha ainda mais verticalidade e parece lançar uma partícula ao cosmos.
Eis um “Espássaro”, de 1995, de Megumi Yuasa, que ganha a primeira individual, desde 1998, na galeria Gomide&Co. A obra, como uma manifestação de seu pensamento poético-filosófico, faz do diálogo entre elementos que pesam e outros que flutuam uma força argumentativa, de interconexão entre todas as coisas.
O artista, nascido em São Paulo, em 1938, começou a trabalhar com cerâmica na década de 1960, fazendo experimentos enquanto autodidata. No início da década seguinte, se interessou por artes plásticas e integrou a técnica em suas esculturas, com a colaboração de sua mulher, Naoko Yuasa.
Segundo Rachel Hoshino, uma das organizadoras da mostra, embora inclua trabalhos de todas as fases do artista, a exposição não é uma retrospectiva. “A mostra apresenta um novo conjunto de obras que, hoje, ao olhar para trás, revelam mais sobre a carreira dele do que árvores e sementes”, afirma, lembrando as esculturas de Yuasa nas bienais de São Paulo de 1975 e 1977.
O projeto curatorial desenvolvido entre o artista Alexandre da Cunha, a arquiteta Jaqueline Lessa e a pesquisadora de arte Rachel Hoshino traz trabalhos que vão do fim dos anos 1970 até 2024. Como a escultura “Nuvem III”, que paira volumosa e lúdica em suas formas arredondadas.
O humor, por sinal, é uma premissa estética recorrente nas peças, que parecem brincar no espaço e se divertir com o jogo de opostos. Na obra “Ar”, de 2022, feita com ferro, latão e alumínio, uma barra une duas airadas massas nebulosas; em “Festa do Circo”, uma forma ondulada e divertida em azul se equilibra sobre uma base escura com arestas.
Também não é de se estranhar uma relação com o surrealismo, por vezes explícita em esculturas como “Teatro do Absurdo”, de 1991, em cerâmica esmaltada. Na peça, objetos cilíndricos e coloridos que saem do alto e do chão de um portal estão a um passo de se encontrarem.
Já em “Outro Personagem”, finalizada neste ano, o extremo de uma barra arqueada na horizontal sustenta um fragmento de osso azulado e tensiona a realidade junto a materiais que pendem da outra ponta. Súbito, o impossível se torna a única verdade e a imaginação se abre ao onírico.
Segundo Hoshino, a personalidade artística de Yuasa se aproxima de um koan –a proposição zen que ilumina pelo absurdo, por aspectos inacessíveis à razão. “O Megumi inverte os planos lógicos. Em obras dele, a montanha está em cima da nuvem e o pássaro está acima da Lua”, afirma.
A expografia de Jaqueline Lessa une todas as peças do artista em um mesmo chão, permitindo que o espectador as veja na altura do corpo ou dos olhos ao acessar o espaço expositivo por uma rampa. “Nossa intenção foi construir uma intimidade tátil que a escultura dele pede”, diz.
Individual de Megumi Yuasa
Quando: Seg. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 17h. Até 1º.nov.
Onde: Galeria Gomide&Co
Preço: Grátis
JOÃO RABELO / Folhapress