SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O uso de canabidiol (também chamada cannabis medicinal ou CBD) na gestação tem crescido, principalmente para aliviar sintomas como náuseas, vômitos, dores de cabeça, ansiedade e depressão.
Mas ainda há poucas evidências do risco da exposição pré-natal do canabidiol para os bebês, afirmam estudiosos do tema.
Agora, um novo estudo feito com camundongos em laboratório avaliou os efeitos na prole da exposição ao canabidiol durante a gestação e constatou que a substância provoca alterações cerebrais nos fetos que podem se traduzir em mudanças cognitivas e comportamentais na vida adulta.
Os resultados da pesquisa “CBD gestacional modifica córtex insular em adultos” foram apresentados no Fórum da Federação Europeia de Sociedades de Neurociência (FENS 2024), em Viena, no final de junho, e estão disponíveis na plataforma de pré-prints (ainda sem avaliação de pares) bioRxiv desde o último dia 29.
O experimento dividiu fêmeas grávidas de camundongo em dois grupos: um que recebeu doses baixas de canabidiol (cerca de 3 miligramas por quilo do animal) do 5º ao 18º dia de gestação (o período total de gestação do roedor são 20 dias) e outro que recebeu um placebo. Depois do nascimento, os filhotes foram avaliados por eletrodos e também tiveram as estruturas cerebrais analisadas em lâminas em laboratório.
A pesquisa focou na região do cérebro conhecida como córtex insular, a primeira parte do córtex (que inclui a porção central do cérebro) que se forma durante a fase embrionária. Esta é dividida em duas sub-regiões: a anterior, cujo papel é fundamental no processamento de emoções, autoconhecimento e das interações sociais, e a posterior, envolvida no controle motor e na resposta sensitiva. Estas duas áreas apresentam características diferentes nos dois sexos, contribuindo para os comportamentos variados entre os indivíduos da espécie.
Nos animais com exposição gestacional ao canabidiol, essa diferenciação das duas sub-regiões não ocorreu em nenhum dos dois sexos observados. Além disso, por meio da análise da atividade cerebral, os cientistas viram uma diminuição na resposta excitatória (isto é, que ajuda na rápida comunicação e resposta sináptica dos neurônios frente a uma ação) da região posterior do córtex insular e uma diminuição da resposta inibitória (capaz de frear uma ação) na porção anterior da mesma região.
“Já tínhamos outras pesquisas mostrando alterações cognitivas de curto e longo prazo em adultos após uso de substâncias durante a gestação, como tabaco e a própria Cannabis [maconha]. O nosso estudo ajuda a mostrar efeitos também da exposição pré-natal do canabidiol, substância que pode ser passada pela placenta para bebês”, explica Daniela Iezzi, pós-doutoranda do Instituto de Neurobiologia do Mediterrâneo (INMED), da Universidade Aix-Marseille, em Marselha (França), e primeira autora do estudo.
Apesar disso, é importante notar que as baixas dosagens utilizadas no experimento não significam que as mesmas mudanças seriam observadas em humanos. ”
Em um outro estudo apresentado no mesmo congresso, a doutoranda Alba Caceres Rodriguez, da mesma equipe de pesquisa, o Inserm (Instituto Nacional de Saúde e de Pesquisa Médica, na sigla em francês), observou também variações no comportamento observado dos roedores expostos ao pré-natal entre os sexos. De modo geral, as fêmeas se mostraram mais curiosas e se movimentaram mais no grupo que recebeu canabidiol na gestação em comparação às do grupo controle, enquanto os machos, contrariamente, apresentaram uma redução nas interações sociais no grupo tratado com canabidiol.
“Encontramos uma série de mudanças comportamentais entre os animais expostos ao canabidiol”, afirma Rodriguez. “As fêmeas expostas ao CBD tendiam a se movimentar mais em seu novo ambiente em comparação com as fêmeas que não receberam CBD durante a gestação. Além disso, em comparação com os ratos de controle, tanto os ratos machos quanto as fêmeas tratadas com CBD estabeleceram mais contatos físicos entre si.”
“Na primeira pesquisa, estabelecemos as bases de como as diferenças observadas [nos filhotes com exposição ao canabidiol] estão relacionadas à região insular. Os tipos de modificações no comportamento observados no estudo secundário sugerem que eles são associados a alterações nesta região, mas mais estudos são necessários”, explica Iezzi.
Por fim, a pesquisadora frisa que, apesar de ter sido feito o estudo com animais em laboratório (também chamada pesquisa pré-clínica), a sua relevância é por ajudar na compreensão de qual a relação entre dose e frequência de uso e os possíveis efeitos.
“É importante enfatizar que maior acesso a informações sobre dose, composição e uso do canabidiol em gestantes será útil no futuro para reduzir o máximo possível as lacunas do conhecimento clínico e pré-clínico e, assim, acelerando a passagem de pesquisas em modelos animais para humanos”, diz.
ANA BOTTALLO / Folhapress