SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O CMEC (Centro de Memória da Educação Básica de Campinas) inaugurou a exposição virtual “A Família Cezarino e a Educação em Campinas”, em que resgata a contribuição dessa família negra para a educação na cidade.
A exposição, que é permanente, apresenta fotos, explica o contexto histórico de Campinas e da sociedade e conta a trajetória da família.
“O objetivo da exposição é reverter o apagamento histórico da família em Campinas e lembrar sua contribuição”, afirma André Luiz Bertolai, coordenador do CMEC.
Durante o período da escravidão no Brasil, Antônio Cezarino e sua mulher, Balbina Cezarino, fundaram em 1860 o Colégio Perseverança, internato dedicado à educação de meninas da elite.
“É uma história bastante inusitada. Durante o século 19, no período em que vigorava no Brasil a mão de obra escrava, um casal de negros funda um colégio para educar as meninas da elite campineira. É um colégio que teve certa relevância no período, vários expoentes de Campinas vão falar do colégio, vão escrever na imprensa sobre o colégio, vão dar aula nesse colégio”, afirma Bertolai.
Cezarino nasceu na Vila do Paracatu do Príncipe, atual cidade de Paracatu (MG), e foi alfabetizado por uma tia paterna. A mãe morreu pouco depois de seu nascimento. O pai era tropeiro, vivia viajando e só conheceu o filho com 11 anos. Ambos eram negros livres.
Em 1814, ao notar que Cezarino era alfabetizado, algo raro até entre os brancos, o pai resolveu levá-lo para a Vila de São Carlos, atual Campinas, em busca de ascensão social. Graças à produção de café, o município passava por um processo de desenvolvimento e modernização.
Eles trabalharam em fazendas na região, e em pouco tempo o pai de Cezarino morreu. Alfabetizado e bom trabalhador, Cezarino foi ganhando confiança e recebendo novas atribuições, e seu salário, aumentando. Passou a ter aulas de música com Manuel José Gomes, pai do notório maestro Carlos Gomes, e assim conheceu a elite local.
Por volta de 1820, Cezarino deixou a fazenda e se casou com Balbina. Com diversos tipos de trabalho, ele acumulou capital suficiente para abrir a escola em 1860.
“O colégio tinha uma proposta pedagógica que se alinhava com aquilo que a elite desejava para suas filhas naquele momento. Além de ensinar a ler, escrever e contar, tinha aula de música, história e geografia e aula de cuidados da casa. Tudo isso para que as meninas pudessem sair de lá bem casadas. Era uma educação para a função que a mulher tinha naquele momento, de serviço doméstico, basicamente”, diz Bertolai.
O casal teve 11 filhos, sendo que quatro meninas aturam como professoras e também na administração da escola, que tinha destaque na cidade. Em 1875, o imperador Dom Pedro 2º visitou Campinas, e o Perseverança foi um dos locais que ele escolheu conhecer.
“Essa visita do imperador mostra o quanto de prestígio aquele colégio chegou a ter”, afirma o coordenador da exposição.
O colégio também aceitava, como bolsistas, alunas negras, órfãs e pobres. Há registros de que Cezarino juntou dinheiro das vendas de produtos feitos pelas alunas e comprou a alforria de uma escravizada.
Em meio aos desafios socioeconômicos da época, a transição da monarquia para a República, as epidemias que devastaram a cidade e as lutas pelo fim da escravidão, o colégio fechou as portas em 1885 por dificuldades financeiras. Cezarino morreu em 1892, com dívidas.
A ligação da família com a educação, contudo, continuou. Uma neta de Cezarino, chamada Balbina como a mãe e a avó, foi uma das primeiras moradoras do bairro Felipão, atual bairro São João, que se formou com a chegada de imigrantes italianos.
Os filhos dos imigrantes eram alfabetizados por Balbina em sua casa. Ela também dava aulas para adultos no período noturno. Em 1920, participou da criação da Escola Rural Mista, na qual atuou até sua morte, em 1928.
A escola funcionava em um prédio simples. Em 1963 foi transformada em grupo escolar e 10 anos depois passou a ocupar um prédio novo nas proximidades. Atualmente, a escola se chama EE. Prof. Luiz Gonzaga da Costa.
Balbina ainda alfabetizou o primo-sobrinho, Antônio Ferreira Cesarino Júnior, bisneto do fundador do Colégio Perseverança.
Cesarino Júnior nasceu em 1906 e cresceu em meio às dificuldades financeiras da família. Estudou no Ginásio do Estado, atual E.E. Culto à Ciência, onde seu pai era inspetor, e em 1923 se formou bacharel em Ciências e Letras com a maior nota da turma.
Deu aulas nos principais colégios da cidade, e em 1928 ingressou como professor no Ginásio do Estado, apesar da resistência de parte do corpo docente, que criticava o fato de ele ser negro e filho do inspetor. Foi o responsável por introduzir inovações pedagógicas na escola, como seminários.
Em 1938, se formou na Faculdade de Direito da USP, na qual também atuou como professor catedrático. Tornou-se um jurista renomado, participou da formulação da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) durante o governo Getúlio Vargas e escreveu diversos livros sobre legislação trabalhista. Aos 46 anos, se formou também em medicina. Morreu em 1992.
Apesar da história da família, o patriarca Cezarino sofreu embranquecimento.
“O Antônio Cezarino até chegou a ser reconhecido na década de 1890. Um jornal da cidade fez uma série sobre personagens ilustres e ele foi um dos escolhidos. Mas não citou que ele era negro. Deu até a entender que ele era um fidalgo português”, afirma Bertolai.
A exposição sobre os Cezarino, diz o coordenador, também dá destaque para a importância das mulheres, determinantes para a construção do legado que a família deixou para a educação de Campinas.
FRANCISCO LIMA NETO / Folhapress