SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A primeira edição da ExpoTEA –exposição sobre o transtorno do espectro autista–, iniciada em São Paulo nesta sexta-feira (7), vende diversos tipos de produtos: de suplementos vitamínicos à Cannabis medicinal, o mercado nunca esteve tão aquecido. É o que especialistas poderiam identificar como “indústria do autismo”.
O termo foi usado em relatório feito por profissionais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e da Rede de Pesquisas em Saúde Mental de Crianças e Adolescentes para designar um complexo industrial atuante no país que influencia políticas públicas e se expande no mercado de bens e consumo.
No evento, que se designa como “a maior feira dedicada ao autismo em todo o Brasil”, a lógica de mercado não deixa de estar presente.
“Eu não vejo como algo ruim, qualquer segmento tem uma indústria em volta disso”, diz Fábio Costa, um dos fundadores da Rhema Neuroeducação, sobre o termo. A empresa, expositora no evento, vende cursos para educar professores no cuidado com crianças típicas e atípicas.
Com muitos dos empreendimentos cujos donos são pais e parentes de crianças no espectro, a feira expõe ainda como necessidades pessoais podem se tornar uma forma de lucro, mesmo sem que haja comprovação científica da eficácia de alguns dos produtos.
Com descontos para os presentes na exposição, suplementos de vitaminas voltados para o desenvolvimento infantil eram vendidos por diferentes empresas. Em uma startup, a lata de 150 gramas era vendida a R$ 170. O casal na exposição relatou ter desenvolvido o produto após ter tido uma criança no espectro, que tem seletividade alimentar.
“Desenvolvemos pensando nela. É um pozinho que não empelota, não tem gosto e nem cheiro, é só jogar na comida”, afirmavam aos que se aproximavam.
Em um segundo estande, as vitaminas eram distribuídas como amostras em formato de ursinhos e, também, bebidas como sucos e chocolate quente, para atrair os possíveis clientes.
Para a organizadora, a pediatra Bruna Ituassu, a falta de comprovação científica da eficiência dos polivitamínicos para autistas não é um empecilho para a presença na exposição.
“Não tem mesmo [comprovação]. A gente entende que a suplementação é importante, que a criança seja bem nutrida, mas não que isso cure o autismo ou que isso vá mudar a história do autista sem que ele faça o tratamento terapêutico. Terapia é a base do tratamento, isso é o complemento”, afirma.
Segundo ela, mãe de uma criança autista de cinco anos, a ideia da feira foi reunir diversos serviços para que se conheçam uns aos outros e para que pais e autistas também os conheçam. “É uma possibilidade de conhecer os autismos, a gente precisa ampliar esses horizontes, para que a sociedade conheça nossa comunidade”, diz.
Ituassu diz acreditar que existem pessoas que se aproveitam da condição e das famílias para vender, mas é reticente quanto ao termo “indústria do autismo”. “Ninguém fabrica autista, eles nascem por uma questão genética, mas é importante que as pessoas se interessem pelo assunto, que criem produtos, serviços e negócios.”
Fizeram ainda sucesso na feira estandes voltados para a venda de brinquedos intitulados “inclusivos” por expositores. Desde grandes marcas a pequenas empresas, algumas tendas continham jogos da memória, caça-palavras e caixas marcadas com o laço colorido símbolo da conscientização sobre o TEA (transtorno do espectro autista ). Blusas e acessórios com o mesmo símbolo foram largamente expostos.
Outros estandes eram de clínicas terapêuticas que oferecem atendimento ultraespecializado e, em outras, vendedores traziam cursos de especialização para realizar esses atendimentos.
Para a diretora do Instituto Vidas Negras com Deficiência Negras Importam, Luciana Viegas, essa lógica de mercado foi importada do exterior. Autista, ela afirma que a baixa representação de pessoas no espetro no próprio movimento pode explicar, em partes, a força da indústria do autismo.
“Dentre as deficiências, essa dinâmica pesa muito no autismo porque a gente ainda tem pouca representação de vozes autistas falando por si só e muita influência da comunidade de pais, que são bombardeados com informações pelo mercado do autismo e que estão agindo dentro de uma dinâmica de desespero, porque não querem que o seu filho seja aquele das quais as redes sociais falam”, diz ela.
“O mercado vai abraçando as pessoas de diversas formas e de formas muito silenciosas, com grande ajuda das redes sociais”.
Dos 56 palestrantes da edição, 20 são autistas, enquanto que, dos 47 expositores, apenas 10 são, de acordo com a assessoria do evento. A exposição segue até domingo (9).
Segundo Viegas, que também é mãe de uma criança autista, o movimento tem lutado para que as pessoas com deficiência sejam as lideranças e, também, pela melhora nas políticas públicas voltadas para essa população. “Porque a gente entende que quando a pessoa não é impactada pela opressão, pode sensibilizar, mas não consegue, diante de algum dilema, pensar nas dores, mas vai pensar nas próprias questões.”
Para a pesquisadora Ilana Katz, a oferta de serviços e de produtos para autistas não tem, muitas vezes, o autista como sujeito da sua própria experiência. “E é bastante importante que possamos escutá-las.”
LUANA LISBOA / Folhapress