Extremos de seca e cheia se intensificam na amazônia, e cientistas sugerem cisternas como no semiárido

BELÉM, AL (FOLHAPRESS) – Um numeroso grupo de cientistas que se reúne em Belém –e cujas carreiras são dedicadas à compreensão dos ciclos e da vida na amazônia– tem um prognóstico duro para o bioma, ancorado em dados de pesquisas científicas que confirmam o novo normal vivenciado por comunidades tradicionais amazônicas.

O campus da UFPA (Universidade Federal do Pará) em Belém vive um momento efusivo ao longo desta semana, com milhares de pessoas, especialmente da própria comunidade acadêmica, circulando pela 76ª reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), que prossegue até sábado (13).

Foram 26,6 mil inscritos para o evento, a maior quantidade já registrada nos encontros da entidade, que nesta edição priorizou os debates sobre as mudanças climáticas e seus efeitos para a amazônia.

Parte dessas pessoas lotou salas e auditórios do campus, que margeia o rio Guamá, para ouvir o prognóstico da ciência para a região, que passou por uma assustadora seca em 2023, a pior já registrada.

De uma infinidade de dados, estudos e monitoramentos feitos, emerge um cenário de um bioma em transformação, com um aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos.

De tudo que foi apresentado e discutido até agora, um resumo pode ser feito: houve recorde de cheias desde 2009, com uma maior concentração de chuvas na porção norte; as secas estão mais extensas e mais severas, com mais dias secos na porção sul.

Além disso, os lagos amazônicos estão mais quentes; a floresta está mais inflamável; e o fluxo de carbono se aproxima de zero —ou seja, a floresta está liberando quase o mesmo tanto carbono que consegue absorver, perdendo sua capacidade de agir como um sumidouro do gás que aquece a atmosfera.

É uma realidade tão consolidada, na visão da ciência, que pesquisadores sugerem urgência na adoção de medidas de adaptação e mitigação, voltadas a um bem-estar mínimo de comunidades que dependem dos ciclos naturais de cheias e vazantes.

Entre essas medidas, estão o maior envolvimento das Defesas Civis dos estados amazônicos, como forma de contornar o isolamento involuntário, e a construção de cisternas para captação e armazenamento de água da chuva.

Em 2023, a seca foi extrema. Rios como o Negro, Solimões, Amazonas e Madeira atingiram suas mínimas históricas. Comunidades ficaram isoladas, sem água e acesso a comida. Roças se perderam pelo aquecimento excessivo do solo. O fenômeno das terras caídas, com a queda de barrancos e casas, se multiplicou. Ondas de fumaça invadiram cidades diversas da Amazônia ocidental.

No ciclo da seca em 2024, iniciado em junho com o princípio da vazante dos rios, comunidades, cidades e governos temem a repetição do que ocorreu no ano passado, em razão do menor nível dos rios para o período —a cheia não foi suficiente para a recuperação do nível médio dos rios, em razão do momento extremo vivido.

Cientistas presentes na reunião da SBPC pedem cautela sobre o que pode ocorrer nos próximos meses, dada a dificuldade de se preverem cenários mais concretos. Mas alertam para uma realidade de extremos cada vez mais constante, o que exige medidas para garantia de direitos básicos, como o acesso a água potável na maior bacia hidrográfica do mundo.

“É preciso investir em cisternas para captação de água da chuva, aumentar o armazenamento dessa água”, disse Ayan Fleischmann, pesquisador na área de geociências do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, sediado em Tefé (AM) e voltado a atividades de pesquisa e manejo na amazônia.

Fleischmann foi um dos pesquisadores do Mamirauá que atuaram no cenário de emergência que se formou em 2023 na região do médio rio Solimões, onde está Tefé. Com a seca, o lago Tefé —em frente à cidade— chegou a encolher 75%. A água superaqueceu. Mais de 200 botos-vermelhos (os botos-cor-de-rosa, como são conhecidos) e tucuxis morreram.

O pesquisador detalhou em um painel da reunião da SBPC dados de pesquisas feitas a partir da seca extrema: a temperatura da água ultrapassou 40°C ao longo de toda a coluna d’água do lago, de 2 metros, o que deixou os botos sem refúgio; alguns lagos tiveram perda de mais de 90% do volume d’água; o Solimões ficou 2 metros abaixo do nível mínimo médio.

O instituto fez levantamentos mais amplos, e constatou que houve um aumento de 26% nas inundações máximas na amazônia desde 1980, com durações de inundações mais extensas, de até 50 dias a mais. Também houve aumento da conectividade entre rios e várzeas na cheia, impactando os ciclos do pirarucu, cujo manejo é fundamental para diversas comunidades da região.

Outro dado levantado mostra um aumento de 0,6°C na temperatura dos lagos amazônicos, a cada década.

Fleischmann afirmou que é preciso suprir as comunidades com kits de tratamento emergencial da água, além de prover estruturas nas casas para armazenamento de água de chuva durante a seca. “Em agosto de 2023, por exemplo, a chuva de agosto poderia suprir mais de 2 mil litros em cada casa das comunidades.”

O pesquisador Jochen Shongart, que atua no Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), disse que as emergências na amazônia no século 21 já têm a mesma duração das emergências registradas em todo o século 20. Há um aumento na frequência de dias chuvosos na porção norte, durante o período de cheia, e um aumento de dias secos na porção sul, durante a estiagem.

“Para 2024, existe uma grande preocupação com a seca. O Atlântico Tropical Norte continua aquecido. Mas tem o La Niña, com mais chuvas na amazônia, e o cenário pode ser diferente”, afirmou Shongart.

O extremo climático na amazônia foi uma combinação dos efeitos do El Niño, do aquecimento do Atlântico Tropical Norte, das mudanças climáticas e da degradação da floresta. O que ocorreu em 2023 vai impactar 2024.

“Desmatamento e incêndios em larga escala agravam a seca extrema”, afirmou o pesquisador do Inpa.

Modelagens apresentadas em painéis na SBPC apontam uma intensificação na repetição do fenômeno El Niño, que é o aquecimento da porção equatorial das águas do oceano Pacífico, com consequências mais severas, segundo esses modelos.

Outros estudos apresentados mostram diminuição da recarga de aquíferos; aumento da salinidade de rios na região da foz do Amazonas; possibilidade de queda de 5% a 50% na vazão de rios; declínios populacionais de espécies de aves e perda de diversidade genética; e uma perda de carbono maior por degradação do que por desmatamento na amazônia.

Todos esses fatores estão relacionados à perda de vegetação amazônica e às mudanças climáticas, segundo os cientistas.

“Vamos ter de construir cisternas na amazônia, como já ocorre no semiárido”, disse a pesquisadora Vania Neu, professora da Ufra (Universidade Federal Rural da Amazônia).

Para Bruce Forsberg, gerente científico do LBA (Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia), do Inpa, é preciso reduzir o desmatamento e interromper projetos de construção de hidrelétricas na amazônia, como medidas mitigadoras dos eventos extremos no bioma.

“Há um aumento na frequência e intensidade de eventos extremos. Se secas extremas seguem ocorrendo, as árvores não conseguem se recuperar, e há perda de biomassa. É o início do fim”, disse Forsberg.

Pesquisas mostram que o fluxo líquido de carbono na amazônia se aproxima de zero, e que há um aumento significativo de mortalidade de árvores. Em algumas porções, as mais degradadas, a amazônia passou a ser mais fonte de CO2 do que sumidouro, segundo essas pesquisas.

VINICIUS SASSINE / Folhapress

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