Fabricante de cachaça e uísque quer imposto do pecado igual ao da cerveja

SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Um copo de cerveja de 330 ml, uma taça de vinho de 150 ml e uma dose de 40 ml de cachaça ou uísque têm em comum uma quantidade de álcool equivalente a 14 gramas. Esse é o argumento utilizado por representantes do setor de destilados para pedir uma tributação igual para todas essas bebidas a partir de 2027, quando entra em vigor no país o chamado Imposto Seletivo, previsto na reforma tributária.

A tese do setor, que não considera a maior quantidade de álcool em uma garrafa de destilado em relação à da cerveja e à do vinho, é rejeitada tanto por especialistas em tributação quanto pelos fabricantes de outras bebidas alcoólicas.

Segundo eles, um imposto similar para bebidas com graduações alcoólicas diferentes contraria as regras internacionais de boas práticas tributárias e as recomendações de órgãos como a OMS (Organização Mundial da Saúde). Também representaria uma ruptura com a legislação atual no Brasil.

A discussão não é nova, mas surgiu novamente diante dos debates sobre a regulamentação da reforma tributária.

Mais especificamente durante uma audiência pública na Câmara dos Deputados no início de março, na qual se discutiu uma proposta alternativa de algumas frentes parlamentares para definir os produtos taxados com o Imposto Seletivo.

Também utilizado em outros países —conhecido informalmente como “imposto do pecado”—, o seletivo tem como objetivo criar uma taxação adicional para alguns produtos. De acordo com a reforma aprovada no ano passado, ele vai incidir sobre “bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente”.

Ele substituirá algo que é feito atualmente pelo IPI (imposto federal sobre produtos industrializados) e também pelo ICMS estadual, que possuem alíquotas diferenciadas para alguns produtos de acordo com efeitos nocivos gerados para a sociedade.

No caso de bebidas alcoólicas, o IPI é atualmente de 3,9% para cervejas (inclusive as sem álcool), 6,5% para vinhos e espumantes e varia de 9,75% a 19,5% para as demais bebidas. A alíquota mais alta se aplica a praticamente todos os destilados, como aguardentes, uísques, vodka e licores.

Durante a audiência, representantes dos fabricantes de destilados afirmaram ver na reforma uma oportunidade para acabar com a diferenciação por grau alcoólico. Em geral, o teor é de 5% na cerveja, 12% no vinho e 40% no destilado, segundo exemplo usado na campanha da ABBD (Associação Brasileira de Bebidas Destiladas).

“Faço aqui uma grande reflexão sobre como medir eventual prejudicialidade de um produto unicamente pelas características de composição e ingredientes, sem levar em conta a quantidade consumida”, disse o presidente da ABBD, José Eduardo Cidade, citando o consumo per capita mais baixo no caso do destilado.

Para Carlos Lima, do Instituto Brasileiro da Cachaça, a diferenciação feita hoje pelo IPI faz com que “iguais sejam tratados como desiguais”.

As afirmações provocaram reação dos representantes do setor cervejeiro presentes na audiência.

“Discordando do que foi dito aqui mais cedo, boas práticas internacionais para tributação de bebida alcoólica observam tributação por teor alcoólico. Essa é a orientação da OMS, do FMI e da OCDE”, afirmou Márcio Maciel, do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja, citando orientações da Organização Mundial da Saúde, do Fundo Monetário Internacional e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

“Quando a gente fala de Imposto Seletivo, está falando de imposto regulatório, de saúde da população. Não estamos falando de conflito entre setores”, acrescentou.

O tributarista e professor do Insper e da FGV (Fundação Getulio Vargas) Breno Vasconcelos, que também participou do debate, disse que a recomendação da OMS e da OCDE é que se busque tributar o componente causador de dano à saúde, nesse caso o teor de álcool, de uma forma progressiva. Ou seja, quanto maior o grau alcoólico, maior o imposto.

Diego Tinoco, da Associação Brasileira da Indústria da Cerveja, afirma que a inclusão de bebidas alcoólicas na lista de produtos tributados com o Imposto Seletivo é inevitável, mas que o setor tem algumas preocupações. Entre elas, a manutenção da carga tributária atual, um imposto menor para pequenos produtores e a manutenção do uso da graduação alcoólica como parâmetro.

“[Defendemos] que o Imposto Seletivo seja proporcional à graduação alcoólica. As eventuais externalidades negativas do consumo nocivo são diferentes. Não dá para tratar os desiguais como se fossem iguais.”

Nesta segunda (19) foi divulgada a proposta do grupo de trabalho, empurrando a discussão para uma lei posterior, que trate apenas de bebidas alcoólicas e permitindo diferenciações por grau de nocividade do produto.

EDUARDO CUCOLO / Folhapress

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