Falta de legendas atrapalha surdos a assistirem a ‘Ainda Estou Aqui’ nos cinemas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Ainda Estou Aqui” tem quebrado recordes de bilheteria e pode ser indicado ao Oscar, depois de sua protagonista, Fernanda Torres, ter vencido o prêmio de melhor atriz no Globo de Ouro. Pessoas surdas ou com alguma deficiência auditiva, porém, têm reclamado da falta de acessibilidade não apenas para assistir a este, mas também a outros filmes brasileiros nos cinemas, que não têm legendas.

As pessoas com deficiência têm acesso, na maioria das salas, a aplicativos de acessibilidade para celulares. Após baixar o programa e seguir as instruções, é possível sincronizar o que é exibido no aparelho com o filme que passa na telona. A partir daí, a pessoa tem acesso a recursos como audiodescrição, legendas e Libras no smartphone.

O problema é que pessoas surdas também dependem de elementos visuais, isto é, tanto da imagem do filme quanto da legenda, que fornece informações adicionais para a compreensão. No entanto, para usar o aplicativo, a atenção dos usuários fica dividida entre a tela maior e a menor o tempo todo.

“Essa solução vai contra os princípios do desenho universal, especialmente no que diz respeito ao mínimo esforço físico [visual] e à comodidade, elementos essenciais do conceito de acessibilidade”, diz Marcelo Pedrosa, idealizador da campanha “Legenda Nacional” e consultor de legenda descritiva que também é surdo.

Segundo Pedrosa, a principal causa do problema está na instrução normativa nº 165 da Ancine, a Agência Nacional de Cinema, criada em 2022. “Ela foi criada estrategicamente para centralizar a acessibilidade em aplicativos. Essa abordagem busca unificar recursos como a audiodescrição, voltada para pessoas cegas, e as legendas e Libras para pessoas surdas.”

No caso da audiodescrição, o uso de fones de ouvido funciona bem para cegos, já que o recurso não traz prejuízos ao conforto do usuário. “O problema é que não houve consulta à comunidade surda acerca da melhor opção a ser utilizada”, afirma.

A Ancine não respondeu às críticas até a publicação desta reportagem.

Como solução, acrescenta Pedrosa, o ideal seria que os cinemas exibissem as legendas diretamente no telão, permitindo que todos acompanhassem a transcrição simultaneamente ao que é ouvido —ao menos em algumas sessões.

Outra possibilidade seria a adoção de óculos inteligentes, que projetem legendas e Libras como uma segunda tela, oferecendo maior autonomia e conforto. A ideia seria integrar, em uma mesma sala, diferentes ferramentas de acessibilidade, como dublagem e legendagem, para atender a diversas necessidades caso não haja muitas salas disponíveis para um mesmo filme.

Procurada, a rede Cinemark, uma das maiores do país, afirmou que os filmes que exibe, nacionais ou internacionais, possuem o recurso de acessibilidade via aplicativo exigido pela lei n° 13.145, de 2015, do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em vigor desde 2 de janeiro de 2023.

A rede diz ainda que a equipe do cinema sempre orienta sobre o uso dos aplicativos para aqueles que necessitam e que a maioria dos filmes nacionais são exibidos nos cinemas sem legendas.

A campanha “Legenda Nacional” também critica que a instrução normativa não deixa claro qual é a fiscalização que deve ser feita para garantir acessibilidade nos cinemas, mesmo que preveja uma penalidade para o desrespeito à norma.

PROBLEMA SE ESTENDE À TV

Além dos filmes exibidos nos cinemas, a comunidade surda também reclama de streamings, como o Globoplay, que não tem legendas para todos os filmes de seu catálogo, e as “closed captions” nem sempre estão disponíveis nas transmissões ao vivo do aplicativo.

É na plataforma da Globo, aliás, que o filme será exibido no streaming, mas ainda não há uma previsão para a estreia.

Procurada pela reportagem, a Globo afirmou que está comprometida em ampliar sua oferta de recursos de acessibilidade e que tem feito avanços na produção de “closed caption” para o Globoplay em conteúdos originais e do acervo da TV Globo.

Segundo a empresa, em 2024, todos os títulos dessas categorias, estreias ou relançamentos, foram disponibilizados na plataforma com esses recursos, assim como todos os filmes e séries produzidos pelos Estúdios Globo.

HAVOLENE VALINHOS / Folhapress

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