Falta de mão de obra e crédito escasso seguram retomada da indústria naval

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) -De fora, o Estaleiro Mauá, o mais antigo do Brasil, parece operar a plena capacidade, com seus oito berços de atracação às margens da baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, frequentemente ocupados por sondas de perfuração ou embarcações de apoio à produção de petróleo em alto-mar.

De dentro, o cenário é diferente: andares vazios no prédio administrativo e pouca gente trabalhando nas imensas oficinas ou pelo cais. A instalação, que já teve quase 10 mil postos de trabalho simultâneos de meados dos anos 2010, tem hoje cerca de mil.

Fundado em 1845, o Estaleiro Mauá retrata bem o último processo de retomada da indústria naval brasileira nos primeiros governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT): construiu navios para a Petrobras, viu seus controladores envolvidos em denúncias de corrupção e acabou com obras inacabadas em seu cais.

Agora, como outros concorrentes, tenta sobreviver com reparos de embarcações e vive a expectativa da prometida retomada de encomendas pela terceira gestão Lula, que já orientou a Petrobras a voltar a contratar no país.

Durante os últimos meses, a Folha de S.Paulo visitou quatro estaleiros em três regiões brasileiras e viu uma indústria que opera bem abaixo da capacidade atingida no início dos anos 2010 e sobrevivendo de obras menores, que geram menos empregos e menos encomendas de insumos e equipamentos.

Um cenário melhor do que o vivido logo após a Operação Lava Jato, quando muitas instalações foram fechadas e explodiram pedidos de recuperação judicial. Mas, embora em leve alta, o nível de emprego do setor ainda é quase um terço do pico registrado em 2014.

O valor das encomendas segue em baixa: foram R$ 421 milhões em contratos do FMM (Fundo de Marinha Mercante) em 2022, contra quase R$ 9,5 bilhões dez anos antes. Em sua maioria, são de reparo e modernização. Das 21 obras concluídas em 2023, apenas seis foram de construção, todas elas de rebocadores portuários.

O Mauá é um dos que vivem hoje de reparos e modernização. Iniciou também uma aposta na construção de equipamentos submarinos para a produção de petróleo. E tenta entrar no ramo do apoio offshore, cedendo berços para carregar navios que levam insumos e equipamentos para alto-mar.

É um dos poucos sobreviventes do setor na baía de Guanabara, berço da indústria naval brasileira. Seu coligado, o Estaleiro Ilha SA, tem cerca de dez empregados. Responsável pela exportação de navios nos anos 1970, o estaleiro Inhaúma, na capital fluminense, está fechado.

Mas se diz pronto para uma nova onda de encomendas de construção de embarcações. “A indústria naval brasileira é competente. Consegue se reerguer e atingir excelência em pouco tempo. Só precisa de demanda e continuidade”, diz Arialdo Félix, diretor comercial do Estaleiro Mauá.

Embora na expectativa, empresários do setor veem desafios para um novo ciclo de retomada, que serão debatidos ao longo desta série de reportagens. O primeiro deles é a requalificação de mão de obra, já que os anos sem encomendas levaram trabalhadores a buscar outro ganha-pão.

“As pessoas começaram a abandonar a indústria”, diz Félix, lembrando que nos anos 2000 os estaleiros foram buscar soldadores e engenheiros que haviam se tornado camelôs —Lula usava a figura do vendedor de cachorro quente em seus discursos. “Agora, o engenheiro virou [motorista de] Uber”, completa o diretor do Mauá.

Quem pôde pegou a rescisão contratual e abriu seu próprio negócio. Em Rio Grande (RS) e Ipojuca (PE), dois polos navais criados pelos primeiros governos Lula, a reportagem encontrou ex-empregados de estaleiros que se tornaram proprietários de mercado, academia de ginástica e até de lava jatos.

Outros migraram para o exterior: são comuns as histórias de soldadores treinados em Pernambuco que partiram para Portugal após a derrocada da indústria no país.

A capacidade de financiamento é outro ponto de atenção. O setor pede redução das taxas de juros e do valor das garantias para tomar recursos do FMM. Hoje, diz o Sinaval (Sindicato Nacional da Indústria de Construção e Reparação Naval e Offshore), os tomadores têm que garantir 130% do valor do contrato.

A capacidade de conceder as garantias é também um desafio, afirma o setor, já que as empresas em recuperação judicial têm menor acesso a crédito atualmente. Uma comissão parlamentar foi criada para tentar apresentar alternativas ao Congresso.

“A indústria naval é uma indústria muito intensiva em capital e mão de obra. E nesse momento, ela não tem nem capital e nem mão de obra”, resume o diretor de Engenharia, Tecnologia e Inovação da Petrobras, Carlos Travassos.

O impedimento para fechar contratos com a Petrobras após o banimento das licitações da estatal não é mais visto como um obstáculo —grande parte dos estaleiros já retomaram o GRI (grau de risco de integridade), necessário para negociar com a estatal.

E a capacidade instalada construída nos anos 2010 é vista como outro trunfo, eliminando a necessidade de grandes investimentos em instalações e equipamentos. “Temos capacidade de cerca de 714 mil toneladas de aço por ano, que não tínhamos em 2008 e 2009”, diz o presidente do Sinaval, Ariovaldo Rocha.

O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, já prometeu “lotar os estaleiros”, mas há uma percepção de que, desta vez, os passos têm que ser do tamanho das pernas, já que a quebradeira dos anos 2010 levou quatro empresas a pedir recuperação judicial —três delas criadas para atender as encomendas de Lula.

“Temos que começar pequeno, não temos nem saúde financeira para começar grande”, diz Ricardo Ávila, diretor-operacional do Estaleiro Rio Grande, que hoje faz reparos navais, alugou parte de seu cais para movimentar cargas e pegou em julho um contrato de desmantelamento de plataformas.

NICOLA PAMPLONA E EDUARDO ANIZELLI / Folhapress

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