PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – “Eu não queria sair de Porto Alegre”, diz a amazonense Apoliana de Arruda, 42. “Aqui tem esse ritmo friozinho, é uma cidade maravilhosa”. Após seis meses morando na capital gaúcha, porém, ela se viu sem alternativa.
Neste sábado (25), Apoliana viaja com o marido Ricardo de Souza, 53, e os filhos Talita, 19, e Gabriel, 16, para Osório, no litoral norte do Rio Grande do Sul. De lá, eles vão de ônibus até o aeroporto de Florianópolis, embarcam para São Paulo e seguem rumo a Manaus para um novo recomeço.
Até 3 de maio, a família morava na rua Corrêa de Melo, no bairro Sarandi. Esta foi a data que a enchente do lago Guaíba tomou conta do bairro, e eles tiveram que sair de casa.
Por 21 dias, dividiram com outras 250 pessoas o teto do estádio poliesportivo da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), um dos maiores abrigos para afetados pelas chuvas em Porto Alegre.
“Compramos tudo aqui e conseguimos trabalho, estamos há seis meses na cidade e a gente se deparou com essa situação triste”, conta Apoliana.
“Nós viemos de Manaus para a gente buscar emprego, buscar melhoria. Devido à pandemia, o polo industrial sofreu, isso mexeu com o povo lá do Amazonas”.
A família chegou em Porto Alegre em meados de 2023. Ela trabalhava em um supermercado em frente à praça Montevidéu, no Centro Histórico, e o marido era motorista de ônibus nas linhas que conectam o centro ao norte da cidade. Tanto o supermercado quanto a garagem da empresa tiveram alagamento próximo a 2 m.
Quando a enchente tomou conta do bairro, a família foi para a casa de um vizinho. Com o nível da água subindo, saíram para a rua e encontraram bombeiros que estavam resgatando moradores.
“As minhas coisas eu perdi tudo, minha casa tá embaixo da água”, diz ela. “Eu não tenho nada. Só tenho roupa de abrigo, que graças a Deus a gente tem para se vestir. Não é o que a gente queria para nossa vida.”
Apoliana diz que os primeiros dois dias no abrigo foram difíceis. “Eu desabei. No terceiro dia, eu vi que as pessoas estavam desabando também, e Deus me deu força”, diz. “Eu tive que engolir a minha dor, o meu choro, para dar um abraço em alguém, para ouvir um relato. Quem parar para ouvir qualquer pessoa aqui dentro vai chorar junto”.
A família decidiu, então, voltar ao Amazonas. Quando souberam que um empresário manauara estava organizando a entrega de doações ao Rio Grande do Sul, pediram ajuda a ele, que entrou em contato com autoridades amazonenses para viabilizar a saída.
O primogênito da família já conseguiu deixar o estado e está no Amazonas aguardando a mãe, Ricardo e os irmãos.
Em Manaus, o filho mais velho de Apoliana ajuda na procura por um novo lar. “Eu disse para ele: consegue um colchão, que a gente já está dormindo de qualquer jeito mesmo. Alugar um cantinho e vamos ver o que vai acontecer daqui para frente”.
Ela conta que o filho, hospedado na casa da sogra, acordou em desespero após sonhar que o quarto estava inundando.
“Não tem como não ficar com um trauma, vem sempre na memória o que vivemos com a chuva. Se eu encontrar um rio ou uma água, já não quero ficar muito perto”, diz Apoliana.
Prestes a enfrentar uma viagem de mais de 10.000 km de volta ao seu estado natal, Apoliana leva guardadas no coração as boas lembranças que teve no curto período em que o Rio Grande do Sul foi sua casa.
“Meus amigos que eu fiz aqui nessa cidade, eu vou levar para o resto da minha vida”, disse a amazonense. “Eu sou do Norte, mas eu amo meu povo gaúcho.”
Na quinta-feira (23), a Força Nacional a acompanhou até perto de casa para buscar malas que ela deixou no vizinho, mas o nível do alagamento impediu o acesso.
A família também busca confortar os familiares que moram longe. “Nós estamos, entre aspas, seguros e abrigados aqui, mas nossos parentes veem na televisão pontes sendo arrastadas, casas, falam que morreram tantos”, diz Ricardo, que é natural do Rio de Janeiro.
“A gente tenta passar para eles que a gente está bem, graças a Deus, e que aqui nós estamos sendo bem cuidados.”
CARLOS VILLELA / Folhapress