Fatia de graduados no Bolsa Família dobra, e total chega a 256 mil

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2010, a vida de Rejane dos Santos, 41, mudaria para sempre. Ao perder a casa em um temporal em Niterói (RJ), ela precisou se inscrever no CadÚnico (Cadastro Único), base de dados por meio da qual é possível acessar benefícios, como o Bolsa Família.

A família já não ganhava o suficiente para se manter e precisou recorrer ao programa.

“De uma hora para outra, a vida ficou muito mais difícil e precisamos pedir o benefício, ficamos inscritos até agora, em janeiro, e foi o que nos ajudou. Sempre digo que o Bolsa Família é uma ponte que a gente usa para se estabilizar e seguir em frente.”

Com o tempo, seu marido, que tinha superior em radiologia, conseguiu se recolocar. E ela, que está terminando o curso de direito, agora trabalha em uma agência do Banco Arariboia, que administra uma moeda social de mesmo nome do município fluminense.

“Hoje temos casa própria e já conseguimos fazer planos. Nossas filhas, de 15 e 12 anos, sabem que a trajetória não foi fácil e que o diploma não garante tudo, mas elas se espelham em nós. Uma quer estudar medicina e a outra, direito”, diz ela.

Assim como a família de Santos, o percentual de pessoas com faculdade e que estão no Bolsa Família ou têm renda compatível com o CadÚnico cresceu nos últimos anos.

Para estar no cadastro é preciso ter renda mensal de até meio salário mínimo por pessoa ou renda mensal familiar total de até três salários mínimos.

O levantamento é do IMDS (Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social), a partir de dados da PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua).

Entre as pessoas de 18 a 65 anos que habitam em domicílios que se enquadram no CadÚnico, cerca de 3,6%, ou 1,6 milhão, tinham ensino superior em 2022. Em 2016, eram 826 mil (2,1%), um aumento de 774 mil.

Já entre as pessoas com 18 a 65 anos que declararam ter recebido renda decorrente do Bolsa Família, 256 mil (cerca de 2,1% do total) já tinham concluído a faculdade em 2022 –ante 84 mil (0,9%) em 2016, 172 mil a mais.

Em ambos os casos, os maiores aumentos se deram no intervalo de 2019, antes da pandemia, até 2022.

Enquanto isso, 28% das pessoas com as 40% maiores rendas tinham ensino superior completo em 2022 -um patamar parecido com o de 2016 (aproximadamente 27,4%).

Os anos mais duros de pandemia foram difíceis também no mercado de trabalho, com fechamento de empresas e perda de postos em diferentes segmentos, o que pode sinalizar um aumento de diplomados que necessitaram do programa.

Em 2022, das pessoas que declararam receber o Bolsa Família, 38% estavam ocupadas. Das que estavam aptas para o CadÚnico, eram 43,6%, ainda segundo os dados da PnadC.

Também 65,1% das pessoas que disseram ser beneficiárias do programa estavam na informalidade, e 52,5% dos que tinham uma renda menor que o limite compatível com o CadÚnico eram informais.

Leandro Rocha, economista do IMDS, e Sergio Guimarães, diretor de pesquisa do instituto, que compilaram os dados, lembram que a entrada no mercado de trabalho de forma precarizada costuma resultar em uma renda mais baixa.

Por outro lado, o acesso ao ensino superior, com destaque para o período até 2015 e 2016, foi facilitado pelo ProUni (de bolsas de estudo), o aumento no número de universidades públicas e a lei de cotas (2012).

Eles acrescentam, ainda, que o impacto causal do Bolsa Família sobre o ensino superior ainda não foi mapeado em profundidade pela literatura.

Para Aparecida Carvalho de Souza, 53, entrar no Bolsa Família trouxe a chance de voltar a estudar. “Com os R$ 600, consigo pagar a mensalidade da faculdade de serviço social, de R$ 154, e ainda sobra para comprar alimentos e pagar as contas”, calcula a moradora de Santo André, no ABC Paulista.

Ela, que colabora há 13 anos com grupos que auxiliam pessoas com HIV, quer usar a futura formação para prestar um concurso e continuar participando dos projetos. “Às vezes, as pessoas só precisam de uma palavra e de empatia. Quando têm mais informação, elas começam a enxergar o outro de forma diferente.”

Assim como Souza, muitos beneficiários aproveitam o recurso mensal –e a possibilidade de ter a compra de bens básicos resolvida– para avançar nos estudos.

Entre os jovens de 18 a 29 anos residentes em domicílios onde alguém recebe o Bolsa Família, 431 mil (4,7%) estavam cursando o ensino superior em 2022, ante 256 mil (3,4%) nessa situação em 2016.

Para aqueles jovens pertencentes a famílias com renda similar ao público típico do CadÚnico, esse percentual passou de 5% (672 mil) para 6,6% (874 mil) no mesmo período.

“Se olharmos o percentual desses jovens de 18 a 29 que estão cursando faculdade, perceberemos um aumento que mostra um investimento corrente em educação”, diz Guimarães.

Os pesquisadores ponderam que, embora a abrangência da PnadC permita analisar questões de trabalho e educação, por se tratar de uma pesquisa amostral, quanto mais fino o recorte, menor é a precisão.

Além disso, os dados de 2020 e 2021 não puderam ser usados pela ausência na pesquisa do suplemento “outros rendimentos”, que permite dimensionar a renda domiciliar e se a pessoa recebe Bolsa Família.

Já o CadÚnico tem dados disponíveis até 2018, que mostram que 2,1% dos cadastrados frequentaram o ensino superior. O cadastro, no entanto, não separa os que concluíram o curso daqueles que apenas frequentaram a faculdade. Também não mostra a área de ocupação do cadastrado.

Ainda assim, os números apontam que a taxa de ocupação é mais alta para aqueles que frequentaram o ensino superior: 46,9% ante 35,2% para os que não fizeram faculdade. Entre os universitários, a informalidade também é mais baixa: 43,8% ante 80,6% entre aqueles que não frequentaram.

“Minha filha fala em estudar desenho, gastronomia ou nutrição; meu filho é jovem aprendiz em uma empresa, mas ainda não fala em faculdade”, conta Claudia Neves de Souza, 44, moradora da zona norte de São Paulo. Ela mesma aproveita que a vida ficou mais organizada após participar do Bolsa Família e quer começar a estudar pedagogia neste ano.

Desde 2017, Souza passou a trabalhar em um serviço de acolhimento de crianças em situação de vulnerabilidade, um emprego que também a acolheu.

“Se me perguntassem há uns cinco anos o que queria fazer, não saberia dizer. Cuidar das crianças e ter contato com pessoas com vivências tão diferentes me ajudou a perceber que estava em uma relação abusiva. Decidi me separar, terminar os estudos e reescrever o meu destino.”

DOUGLAS GAVRAS / Folhapress

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