BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério da Fazenda estuda propor a alteração das regras orçamentárias para saúde e educação de forma a aproximar o crescimento dessas despesas à lógica do arcabouço fiscal, que limita o conjunto dos gastos federais a uma alta real de até 2,5% ao ano.
De acordo com um integrante da equipe econômica, o crescimento real dos pisos passaria a ser limitado aos mesmos 2,5% previstos no arcabouço. Também estão em análise alterações nas regras de certos benefícios previdenciários, como o auxílio por incapacidade temporária (antigo auxílio-doença) que passariam a ser desvinculados do salário mínimo.
As alterações são estudadas enquanto o governo é pressionado a apresentar medidas de equilíbrio fiscal pelo lado das despesas, após ter se dedicado por um ano e meio à busca por mais receitas. Além da pasta comandada por Fernando Haddad, o Ministério do Planejamento (comandado por Simone Tebet) está estudando iniciativas a serem apresentadas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
No caso dos pisos de saúde e educação, previstos na Constituição, as mudanças são necessárias porque eles crescem atualmente de forma mais acelerada do que o restante. O piso da saúde equivale a 15% da RCL (receita corrente líquida), enquanto o da educação representa 18% da RLI (receita líquida de impostos).
Com a busca do governo por mais receitas, os mínimos de saúde e educação tendem a crescer mais do que as outras despesas tomando, abaixo do teto geral, espaço dos demais gastos.
Sem mudanças, a previsão é que o espaço para as demais despesas seja totalmente consumido até o fim desta década. Na prática, a regra criada por Haddad no começo do governo Lula 3 estaria condenada ao estouro.
Como já mostrou a Folha de S.Paulo, o Tesouro Nacional sugeriu a mudança dos pisos para uma forma alinhada ao arcabouço em um relatório e também já estudou a possibilidade de mudar o cálculo da RCL para desacelerar o crescimento das despesas. Neste último caso, a ideia era tirar as receitas extraordinárias das contas.
A necessidade de harmonizar essas vinculações com o novo arcabouço fiscal foi tratada pela primeira vez em abril de 2023 por Haddad em entrevista à Folha. Desde então, porém, ele vem delegando a responsabilidade ao Ministério do Planejamento, incumbido da agenda da revisão de gastos.
O tema é politicamente delicado para o governo, sobretudo diante da defesa histórica da esquerda por mais verbas para as duas áreas. Haddad inclusive foi ministro da Educação nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT).
No cenário atual, que considera as medidas de arrecadação já aprovadas pelo governo Lula, o espaço para despesas discricionárias com custeio e investimentos será totalmente comprimido a partir de 2032.
As dificuldades, porém, devem se manifestar até antes, com o estrangulamento gradual de políticas públicas, a exemplo do que ocorreu sob o teto de gastos instituído pelo governo Michel Temer (MDB).
Isso acontece porque mesmo dentro das discricionárias há algumas despesas “rígidas”, isto é, não têm o rótulo formal de obrigatória, mas são carimbadas, e o governo precisa garantir sua execução. Estão nessa categoria os pisos de Saúde e Educação e as emendas parlamentares.
Há um segundo complicador que potencializa essa tendência de achatamento dos demais gastos.
Haddad e sua equipe apostam em uma série de medidas de arrecadação para manter uma trajetória de melhora contínua das contas públicas até 2026. Se eles forem bem-sucedidos nessa estratégia, o balanço entre receitas e despesas melhora, mas os pisos serão calculados sobre uma arrecadação ainda maior, ampliando a pressão sob o limite de gastos.
Em abril, um relatório divulgado pelo Tesouro Nacional mostrou que a flexibilização dos pisos pode liberar até R$ 131 bilhões para outros gastos de custeio e investimentos até 2033.
A projeção não significava por si só uma recomendação política, mas o exercício feito pelos técnicos do órgão reiterou o debate sobre a necessidade de rever essas despesas para garantir a sustentabilidade do novo arcabouço fiscal no médio prazo.
Mudanças nos pisos de saúde e educação também foram propostas pelo então ministro da Economia Paulo Guedes durante a gestão Bolsonaro, mas o tema não foi adiante.
ADRIANA FERNANDES / Folhapress