BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério da Fazenda propôs a adoção de 12 medidas legais e infralegais de fortalecimento da regulação brasileira para que empresas nacionais não sejam prejudicadas por práticas anticompetitivas de big techs.
Entre as propostas está o fortalecimento do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), com a criação de uma unidade voltada ao mercado digital com equipes especializadas.
O modelo de regulação proposto dá poder ao conselho de impor obrigações às big techs de forma específica, conforme a necessidade, para garantir a concorrência.
As recomendações para regular os mercados digitais foram elaboradas pela equipe do secretário de Reformas Econômicas, Marcos Barbosa Pinto, com base no resultado da tomada de subsídios sobre o tema mecanismo de consulta aberto ao público para coletar dados nas etapas iniciais do processo de regulação.
Aberta em 18 de janeiro e encerrada em maio, a consulta recebeu 301 contribuições de 72 participantes. O relatório com as propostas, obtido pela reportagem, será apresentado nesta quinta-feira (10) pela Fazenda. Para propor as recomendações, a equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estudou a legislação de nove países e da União Europeia.
A ideia é enviar um projeto de lei ao Congresso ou apresentar as propostas por meio de um parlamentar da base do governo. Já as medidas infralegais poderão ser adotadas em decreto presidencial, portarias, normas ou até mudanças nos procedimentos atuais do Cade.
Com a proposta, o governo quer sinalizar que vai fortalecer o sistema brasileiro de concorrência e passar o recado para os agentes de mercado de que o país vai tomar as medidas necessárias para evitar práticas anticoncorrenciais pelas plataformas digitais.
O diagnóstico é de que há um descompasso entre as novas dinâmicas das plataformas digitais e os mecanismos atuais de promoção da concorrência. As principais big techs (Google, Apple, Microsoft, Amazon e Meta) não só estão crescendo em valor de mercado, mas expandem sua atuação para vários serviços.
Como revelou a Folha em abril, a visão do governo é que as big techs adquiriram um nível de dominância no mercado muito grande e que a falta de competição pode afetar a economia brasileira como um todo.
O mapeamento feito pela Fazenda mostrou que as big techs estão crescendo para mercados adjacentes, além de dominar os mercados em que elas já atuam. Competir com essas plataformas é muito difícil porque o serviço delas é mais barato.
A conclusão do relatório foi a de que, se por um lado o modelo de negócio de plataformas digitais tem se mostrado fundamental para o desenvolvimento da economia brasileira, impulsionando a produtividade, por outro, falta o arcabouço regulatório adequado diante do cenário atual de aumento da complexidade da atuação das plataformas digitais.
Um dos cuidados da equipe de Haddad é mostrar que as propostas não tratam de uma regulação de conteúdo das plataformas e das fake news, mas de proteção e fomento à competição nesses mercados digitais diante do tamanho e a importância que essas grandes plataformas de tecnologia estão assumindo na economia. Nos Estados Unidos e na Europa, elas têm sido alvo de uma série de processos concorrenciais.
Com a proposta de regulação, o governo quer impedir que as big techs abusem do seu poder de mercado e não cobrem preços abusivos dos usuários, sejam consumidores ou usuários empresariais. E também evitar que elas se expandam para negócios adjacentes, matando todas as outras empresas inovadoras.
Entre os problemas em discussão, estão a obrigação de interoperabilidade (permitir que usuários de um serviço de mensageria possam se comunicar com os de outro) e coibir a autopreferência (ação de dar mais destaque ou favorecer seus produtos).
As recomendações propostas se baseiam num modelo intermediário entre o adotado recentemente pela Europa e o que tem sido seguido pelos Estados Unidos, de análise posterior dos casos. Enquanto no modelo americano a ação vem depois do ocorrido, no modelo europeu e o que a Fazenda está propondo as obrigações podem ser impostas antes.
Os europeus identificaram sete grandes empresas (Alphabet, Amazon, Apple, Booking, ByteDance, Meta e Microsoft) e estabeleceram obrigações diretas para serem seguidas, como a proibição da autopreferência e abertura de acesso das suas redes para terceiros (interoperabilidade)
O modelo proposto pela Fazenda na regulamentação também prevê a designação (as empresas que serão reguladas diretamente) das plataformas digitais que vão estar sujeitas a um regime específico regulatório. A lei vai prever critérios para a designação dessas empresas pelo órgão supervisor que será o Cade. Entre os critérios, número de usuários e relevância para múltiplos mercados.
A diferença para a regulação europeia é que a proposta brasileira garante mais flexibilidade para impor obrigações específicas para cada caso. Um integrante da equipe de Haddad que participou da elaboração das propostas informou que caberá ao Cade definir para cada caso quais são as obrigações.
Por exemplo, o Cade poderá dizer para uma das big techs que não poderá mais dar preferência aos produtos que ela mesmo está vendendo em relação aos produtos de outras pessoas que vendem no seu marketplace. Ou impor a obrigação de interoperabilidade com outro sistema de mensageria.
O ministério da Fazenda avalia que o modelo proposto prevê respostas mais rápidas. O próprio Cade na consulta pública reconheceu que agir com velocidade suficiente. Hoje, a ação do órgão regulador usa as ferramentas tradicionais antitruste, que vale para todas as empresas.
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PROPOSTAS
Grupo 1 : Recomendações para plataformas com relevância sistêmica – Alteração Necessária
Estabelecer procedimento com critérios qualitativos para a designação pelo Cade de quais plataformas se enquadram no grupo – Legislativa
Introduzir obrigações de procedimentos que poderão ser impostas, como notificação prévia de atos de concentração e regras de transparência para usuários finais e profissionais – Legislativa
Estabelecer procedimento para que o Cade investigue as empresas e definir obrigações específicas para cada caso – Legislativa
Criação de uma unidade especializada no Cade para monitorar concorrência nos mercados digitais – Legislativa
Implementar cooperação como outros órgãos reguladores, como Anatel e ANPD – Legislativa
Fortalecer as competências do Cade com poderes para requerer informações – Legislativa
Criar um fórum de cooperação entre o Cade e outros órgãos federais para mercados digitais – Decreto presidencial
Grupo 2 : Recomendações de ajustes de ferramentas antitruste para plataformas em geral – Alteração Necessária
Atualização das ferramentas antitruste para identificar e avaliar riscos competitivos – Revisão de diretrizes do Cade
Revisão do formulário de notificação dos atos de concentração – Revisão de formulário do Cade
Considerar a adoção de rito ordinário para atos de concentração envolvendo grandes plataformas – Revisão de manual
Garantir flexibilidade para requerer a notificação de atos de concentração, mesmo que não se encaixem nos critérios formais, quando há risco à concorrência – Alterações na prática do Cade
Atualizar os valores de faturamento para notificação dos atos de concentração – Portaria interministerial
ADRIANA FERNANDES / Folhapress