ÁGUA BOA, MT (FOLHAPRESS) – Imagine uma propriedade rural muito distante dos grandes centros urbanos, mas totalmente conectada, com o fazendeiro tendo acesso em tempo real a dados sobre a produção e o funcionamento das máquinas, monitorada por uma central.
Ela existe, mas é exceção no país. Localizada em Água Boa (MT), município de 25 mil habitantes no Vale do Araguaia e distante 641 quilômetros da capital, Cuiabá, uma fazenda conectada projetada por uma fabricante de máquinas agrícolas surgiu com o objetivo de mostrar as vantagens do uso total e online da tecnologia no campo, o que não é possível na maior parte das propriedades rurais do país.
Na safra 2022/23, a conectividade total fez com que a produtividade de soja na fazenda de 3.200 hectares (equivalente a 4.481 campos de futebol) crescesse 3,5% em relação a uma fazenda vizinha, sem monitoramento de dados em tempo real e usada como espelho no projeto, por ter as mesmas condições de terra e microclima.
Implantado no segundo semestre de 2021, o projeto na fazenda foi desenvolvido pela fabricante Case em parceria com empresas como TIM, Nokia, Raven, FPT, Polaris e Stellantis e consiste em aplicar todas as possibilidades tecnológicas disponíveis para permitir que a lavoura tenha maior produtividade.
Assim, a fazenda conectada mato-grossense utiliza em tempo real a telemetria nas dez máquinas disponíveis, faz monitoramento de frota de forma integrada, utiliza drones e faz monitoramento meteorológico.
Com os recursos existentes nas máquinas, mas não utilizados pela maioria dos produtores do país pela simples falta de conexão de internet, as empresas afirmam que os fazendeiros terão maior precisão em suas lavouras, o que na prática significa ganhar mais em menos tempo.
A produtividade na fazenda vizinha subiu 0,8 saca por hectare entre as safras 2020/21 e 22/23, enquanto na unidade conectada o avanço foi de 3,15 por hectare, uma diferença de 2,35 sacas. Isso significa, na cotação desta terça (19), R$ 329 de ganho por hectare.
Mais de 70% das propriedades rurais do país não têm acesso à internet, conforme a ConectarAgro, associação criada por empresas ligadas ao setor com o objetivo de difundir a conexão no campo.
Por meio de uma antena 4G da TIM, que opera a frequência de 700 MHz, disponível após o desligamento do sinal da TV analógica no país, as fazendas passaram a ser conectadas em 2019. Hoje são 14,4 milhões de hectares utilizando o sistema.
Diretor de marketing e comunicação da Case na América Latina, Eduardo Penha disse que Água Boa foi escolhida por ter histórico de produção superior à média brasileira, o que permitiria mostrar que mesmo numa região que já produz muito seria possível melhorar com a conexão das máquinas.
Na propriedade modelo, a safra foi 7,4% superior à média regional, 7,6% acima do rendimento médio de Mato Grosso e 13,4% mais que o rendimento médio do país.
“O que ficou mostrado no campo foi a melhor eficiência agrícola e operacional, com redução de 5,7% de motor ocioso, o que representa 30 horas. Graças à conectividade tivemos uma janela de colheita menor em três dias”, disse Rodrigo Alandia, diretor de marketing de produto da Case.
Os resultados mostraram que houve redução de 25% no consumo de combustível, em litros, por hectare, graças aos ajustes de rota nas lavouras e ao monitoramento online. Isso na safra toda significou economia de R$ 307.704 (51.284 litros) na fazenda.
“A cada mil hectares, representa uma economia de R$ 100 mil. Se Mato Grosso inteiro estivesse conectado, estaríamos falando de R$ 1,2 bilhão”, disse.
A partir dos resultados, a montadora tem a perspectiva de levar o sistema para outras regiões do país e também para a Argentina, onde o grupo à qual a Case pertence (CNH Industrial) tem uma fábrica, em Córdoba.
Penha afirmou que uma fazenda totalmente conectada não é mais um projeto, e sim algo que está ocorrendo no campo. “São duas safras completas [de análise], tempo suficiente para avaliar as diferenças existentes entre uma fazenda totalmente conectada e uma que não é”, disse.
A iniciativa de ampliar a rede de conexão no campo tem sido adotada também por outras grandes empresas ligadas ao agronegócio.
A Agco, com marcas como Massey Ferguson, Valtra e Fendt, também integra a ConectarAgro e tem expandido sua rede de atuação por meio da associação.
Já a John Deere, que não integra o grupo, tem levado a conexão ao campo por meio de uma parceria com a operadora de telefonia Claro e a startup Sol.
Batizado de Campo Conectado, o projeto já atingiu 4 milhões de hectares com cobertura 3G/4G no país e tem mais 3 milhões previstos. As empresas investem na instalação das torres e o produtor paga pelo uso do serviço, com prazo de fidelização.
Investir numa propriedade como a de Mato Grosso usada pela Case como modelo custa R$ 1,4 milhão, incluindo o valor da torre, que conforme a topografia tem condições técnicas de atender uma área de até 35 mil hectares. Dependendo do tamanho da propriedade, o sistema se paga em menos de duas safras.
De acordo com Alexandre Dal Forno, diretor de desenvolvimento de mercado IoT (internet das coisas, em inglês) e 5G da TIM Brasil, os 14,4 milhões de hectares já conectados pelas empresas ligadas à associação atenderam mais de 40 grandes clientes.
“Temos projetos de uma torre, assim como temos projetos com 99 torres”, disse. Esse grande projeto envolve a BP Bunge Bioenergia, gigante do setor sucroenergético com 11 unidades espalhadas pelo país e que tem capacidade de moer 32,4 milhões de toneladas de cana-de-açúcar mais de 5% da produção nacional na safra 2022/23.
Além de grandes produtores, pequenos têm se unido para negociar a implantação de sistemas do tipo, conforme o diretor, que citou uma cooperativa paranaense formada por cerca de 15 produtores de áreas sem internet que se interessaram pela proposta.
Sem a conexão direta no campo, os produtores rurais só conseguem analisar os dados após descarregá-los num pendrive ou obtê-los com atraso quando a máquina passar por algum lugar na zona rural em que haja sinal.
Por conta desse problema na maior parte do país, máquinas saem de fábrica com um sistema que armazena ao menos 15 dias de dados, não só as destinadas à produção agrícola, mas também as de construção.
Em Contagem (MG), a Case Construction braço ligado à construção civil da marca mantém um centro de operações para atender seus clientes em tempo real, assim como a área agrícola, mas dada essa dificuldade de conexão as máquinas são produzidas com o sistema de armazenamento.
AVANÇO
Uma das formas vistas pela ConectarAgro para acelerar a presença da internet no campo é usar recursos do Fust (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações) para isso.
As empresas têm levado ao conselho gestor do fundo e a ministros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a proposta de que o agro é pujante, mas poderia ser ainda mais com a conectividade, segundo Gregory Riordan, vice-presidente da ConectarAgro e diretor de tecnologias digitais da CNH Industrial para a América Latina.
Ele cita como exemplo um trabalho que está sendo desenvolvido com a Universidade Federal de Viçosa que, quando concluído, mostrará um recorte da produtividade em Minas Gerais e poderá contribuir para destravar fundos do Fust.
“Como vários outros projetos que temos com o governo, é uma questão hoje muito mais de diálogo, com alguns projetos que estão acontecendo, mas tentando manter esse canal aberto e achando o momento certo e a oportunidade certa para destravar algo que pode mudar a conectividade para o agro”, disse.
A associação defende que a conexão no campo não beneficia somente produtores rurais, mas também os moradores do entorno, já que a rede é aberta. No caso de Água Boa, foram atingidos 16 mil habitantes, 93 propriedades rurais e 21 escolas, segundo as empresas.
Recursos do Fust têm sido desejados por vários setores do governo, como a Educação, que pretende disponibilizar internet em 100% das escolas públicas do país, mas também na área social, que deseja levar infraestrutura para áreas mais remotas do país e de menor potencial comercial para as operadoras.
Riordan afirmou que cálculos da associação indicam que a instalação de 3.000 a 4.000 torres mudariam o cenário da conectividade no agronegócio brasileiro. “Hoje quando a gente olha os projetos que estamos fazendo dentro do [setor] privado, poderiam ser totalmente viabilizados com os recursos que têm no Fust.”
Ainda conforme o diretor, a área social é um elemento muito importante dentro do programa da ConectarAgro. “Há um impacto social fortíssimo, mas o impacto social é a consequência do modelo econômico. Temos trabalhado para mostrar isso”, disse o executivo da associação, que engloba ainda empresas como Bayer, Nokia, Solinftec, Trimble e Vivo.
O jornalista viajou a convite da Case
MARCELO TOLEDO / Folhapress