SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Vai desapontar muita gente, mas não chega a ser uma surpresa: a agência de fármacos norte-americana FDA recusou pedido de licença da empresa Lykos Therapeutics para a psicoterapia assistida por MDMA, ou ecstasy, no tratamento de transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
O órgão regulador emitiu uma Carta de Resposta Completa (CRC) à Lykos dizendo que os dados submetidos na solicitação não são ainda suficientes para garantir a aprovação. Exigiu que a firma faça um terceiro teste clínico de fase 3 para comprovar melhor eficácia e segurança do tratamento inovador.
O novo ensaio exigido pode demorar anos e custar dezenas de milhões de dólares. A Lykos no momento não tem recursos para enfrentar a empreitada e anunciou a intenção de se reunir com a FDA para tentar reverter a decisão, argumentando que os dados já colhidos bastam para dirimir as objeções levantadas.
Pílulas de MDMA, substância psicotrópica que causa alucinações Couperfield Adobe Stock Diversos pacotes transparentes estão cheios de pequenos comprimidos, parecidos com balas de festa de aniversário ****
Não se conhece o conteúdo da carta, já que a agência mantém tais documentos confidenciais porque podem conter informações de propriedade do solicitante. O parco teor conhecido está no comunicado divulgado pela Lykos, que voltou a criticar o relatório negativo de um comitê consultivo da FDA no qual a decisão de hoje estaria baseada.
“A requisição da FDA por um novo estudo é profundamente decepcionante, não só para aqueles que dedicaram suas vidas a esse esforço pioneiro, mas principalmente para milhões de americanos com TEPT, assim como seus entes queridos, que não viram nenhuma opção nova de tratamento em mais de duas décadas”, disse Amy Emerson, presidente da Lykos.
“Dado que conduzir um outro estudo de fase 3 vá demorar vários anos, ainda mantemos que muitos desses requisitos já previamente discutidos com a FDA e levantados no comitê consultivo podem ser confrontados com os dados existentes, exigências pós-aprovação ou por meio de referência à literatura científica.”
A Lykos surgiu do desmembramento de um braço empresarial da ONG Associação Multidisciplinar para Estudos Psicodélicos, mais conhecida pela sigla em inglês Maps. A organização fora criada em 1986 pelo ex-hippie Rick Doblin com a missão de ressuscitar a MDMA como ajuda para psicoterapia, após a proibição da droga ecstasy em 1985.
Tudo indica que o intenso lobby das últimas semanas em favor da terapia não surtiu efeito sobre a FDA. Até o empresário Elon Musk se pronunciou, em apoio a associações de veteranos de guerra e parlamentares conservadores que defenderam aprovar a proposta da Lykos à agência.
Há 13 milhões de norte-americanos diagnosticados com TEPT, a maioria por traumas com violência sexual e abuso infantil. Ganham mais visibilidade, contudo, os ex-combatentes das inúmeras aventuras bélicas dos EUA, que retornam da guerra com problemas de saúde mental na base de estatísticas tenebrosas de suicídio -ao qual recorreram 150 mil veteranos desde o 9 de setembro de 2001.
Entre os problemas levantados no comitê consultivo estavam falta de dados sobre efeitos adversos, risco de adição e caracterização do componente psicoterápico do tratamento, além de alguns casos de má conduta de terapeutas (abuso sexual) e alegada recomendação a pacientes para ocultar relatos de maus resultados.
O fiasco mais ou menos previsível da Lykos já vinha repercutindo entre outras empresas com tratamentos psicodélicos em vista. A Compass Pathways, por exemplo, vem buscando desvincular de psicoterapia sua proposta de tratar depressão com psilocibina, psicoativo dos cogumelos ditos “mágicos”.
A atai Life Sciences foi mais longe: incluiu como critério de exclusão em seu ensaio de fase 2 com DMT (psicoativo presente na ayahuasca) a participação recente em tratamento psicoterápico ou até mesmo a intenção de iniciar um.
Não se trata de uma pá de cal na ressurreição das terapias psicodélicas, mas de um tropeço traumático do qual precisarão de anos para se recuperar. Claramente o momento é de recaída na hegemonia farmacológica, pois se busca desvencilhá-las do que tinham de mais inovador e menos biomédico -a psicoterapia.
MARCELO LEITE / Folhapress