Febre do beach tennis vira pesadelo para vizinhos, que reclamam de poluição sonora

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O barulho constante das raquetadas, os gritos eufóricos dos jogadores e a música ao vivo até tarde da noite. A febre do beach tennis, modalidade esportiva que nos últimos anos se multiplicou pelo Brasil, acabou se tornando pesadelo para muitos vizinhos das novas quadras de areia.

Em São Paulo e em outras partes do país, moradores dizem que passaram a conviver com poluição sonora sem trégua depois da abertura de espaços para a prática do esporte em bairros residenciais.

“Sabe a goteira que não para nunca e deixa qualquer pessoa furiosa? É quase a mesma coisa, mas com gritos e raquetadas”, relata o analista de sistemas Cláudio Vieira, 34, que desde março divide muro com uma quadra de areia no bairro da Aclimação, zona sul da capital paulista.

Segundo o vizinho, além do barulho das partidas, que ocorrem das 6h às 22h, ele e a esposa têm que lidar com a música alta principalmente aos fins de semana. “Nós dois trabalhamos em home office, faço reuniões o dia inteiro e mesmo usando fone de ouvido atrapalha muito. O pessoal bebe e grita como se fosse um bar”, disse Vieira. Ele ainda reclama da luz dos holofotes, que invade a casa e faz a “noite parecer dia”.

A quadra em questão fica cercada por sobrados e alguns prédios residenciais, mas não possui nenhuma adaptação acústica para reduzir a emissão de ruídos. Incomodados, moradores já registraram boletim de ocorrência, reclamações no 156 e denúncia no Ministério Público, já que não encontraram solução por meio do diálogo.

A situação se repete em outros pontos da capital paulista. A reportagem identificou quadras com reclamações por causa do barulho em todas as regiões da cidade.

No início do mês, dois estabelecimentos na zona leste foram multados —um deles acabou interditado por reincidência após fiscalização.

Na zona sul, uma arena teve ainda o alvará de funcionamento cassado, já que promovia shows sem a devida licença. A lei do Psiu prevê multas de R$ 12 mil a R$ 36 mil.

Reclamações por poluição sonora estão entre as principais demandas da população registradas no canal 156 —mais de 19 mil queixas foram registradas entre janeiro e junho desse ano.

De acordo com a administração municipal não é possível precisar quantas dessas reclamações estão relacionadas a quadras de beach tennis, mas esse tipo de queixa tem crescido e já motiva ações coordenadas de fiscalização.

O problema também foi identificado em outros estados brasileiros. No Nordeste, os Ministérios Públicos da Paraíba e de Sergipe já receberam denúncias de moradores pelo barulho de eventos musicais realizados em quadras desse tipo. Em Aracaju, um estabelecimento chegou a firmar um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) com a promotoria se comprometendo a reduzir a emissão de ruídos.

Situação similar ocorre em alguns municípios de Minas Gerais, onde a distância do litoral sempre foi impeditivo para a prática de esportes na areia. Em Lavras, pequena cidade universitária, a abertura de uma arena com três quadras de beach tennis no ano passado virou sensação. Moradores de prédios vizinhos, contudo, passaram a sofrer com o excesso de ruído.

“Tenho uma filha de seis anos que simplesmente não consegue dormir. É muita gritaria, até meia-noite”, disse o professor universitário Raoni Machado, 44, que entrou com ação na Justiça para buscar uma solução, após infrutíferas tentativas de conciliação. “É legal ter a arena aqui, todo mundo joga, mas tem formas e formas de fazer isso. O direito ao silêncio é previsto em lei”.

As quadras esportivas ficam todas a céu aberto e não possuem isolamento acústico.

“Tenho uma filha de seis anos que simplesmente não consegue dormir. É muita gritaria, até meia-noite. É legal ter a arena aqui, todo mundo joga, mas tem formas e formas de fazer isso. O direito ao silêncio é previsto em lei”, disse Raoni Machado, professor universitário.

professor conta que contratou uma empresa para fazer a medição do ruído de seu apartamento, no quinto andar. O volume registrado chegou a 90 dB (decibéis) quando a raquete batia na bola, disse ele. A OMS (Organização Mundial da Saúde) considera que ruídos acima de 50 dB já podem trazer prejuízos à saúde, e a partir da marca de 75 dB têm potencial para danos mais sérios, como risco de perda auditiva.

Criado na Itália na década de 1980, o esporte foi trazido ao Brasil em 2008, ainda com poucos praticantes. Foi durante a pandemia de Covid-19 que a atividade se espalhou pelo país e virou fenômeno nacional. Segundo a CBBT (Confederação Brasileira de Beach Tennis), o país tinha cerca de 2.000 atletas cadastrados para torneios em 2020. Este ano, o número saltou para 18 mil.

As quadras se multiplicaram em proporção ainda maior. Se no ano em que teve início a crise sanitária, o estado de São Paulo não tinha mais de 90 espaços do tipo, hoje são mais de 5.000, de acordo com estimativa da entidade.

O advogado César Peghini, especialista em direito de vizinhança, afirma que a judicialização costuma levar a gastos elevados para ambas as partes, e recomenda o diálogo para a solução dos conflitos relacionados a barulho. “Existem braços do judiciário e mediadores particulares que podem ser contratados para esse fim”.

Caso a mediação não dê resultado, a Justiça Civil pode ser um caminho. “O morador pode obter uma liminar que impeça a conduta indevida do estabelecimento, ou seja, o uso excessivo da propriedade, incluindo multa diária”, disse. Nesse caso, o especialista considera fundamental a contratação de um laudo medindo o nível de poluição sonora e validação da prova no Judiciário antes de entrar com a ação.

Procurada, a assessoria de imprensa da academia Action Beach, na Aclimação, disse que não concorda com as reclamações, e que o barulho em centros urbanos é inevitável. O posicionamento ainda diz que não há emissão de ruídos no local após a meia-noite e que o estabelecimento tem licença da prefeitura para a atividade.

Já a proprietária da Arena JC, em Larvras, afirmou que está fazendo adaptações no espaço para que não haja perturbação aos vizinhos, e que está à disposição dos moradores para conversar e resolver qualquer problema. “Eu fiz o estudo de impacto da vizinhança duas vezes e o ruído da bolinha e as pessoas conversando não ultrapassam o limite permitido”, disse Flávia Amaral.

LEONARDO ZVARICK / Folhapress

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