CURITIBA, PR, E SALVADOR, PR (FOLHAPRESS) – As federações partidárias, que estão sendo testadas pela primeira vez nas eleições municipais, vivem um cenário de embates internos entre as legendas parceiras, alianças que existem apenas no papel e uma prevalência dos partidos maiores que encabeçam os grupos.
Em ao menos oito capitais, partidos federados não conseguiram construir um consenso em torno do lançamento de candidaturas ou definição de alianças, o que resultou em dissidências internas.
Além disso, os partidos minoritários ficaram a reboque dos cabeças da federação e tiveram dificuldades de emplacar candidatos a prefeito nas capitais.
Criadas em 2021 para garantir uma sobrevida a partidos que não atingiram a cláusula de desempenho, as federações permitem que as siglas se aliem por um período mínimo de quatro anos, replicando obrigatoriamente a parceria nos estados e nos mais de 5.500 municípios brasileiros.
Desde então, três delas foram criadas: PT, PC do B e PV formaram a federação Brasil da Esperança, o PSDB se juntou com o Cidadania e o PSOL uniu forças com a Rede Sustentabilidade.
A federação Brasil da Esperança definiu candidaturas a prefeito em 14 capitais, das quais 13 serão do PT e 1 do PV. Pela primeira vez desde 1996, o PC do B não vai concorrer à prefeitura de nenhuma capital e indicou apenas um vice: Victor Marques, recém-filiado ao partido, será parceiro de chapa de João Campos (PSB) no Recife.
É um cenário diametralmente oposto ao de 2020, quando o PC do B ensaiou um voo solo com candidaturas próprias em 12 capitais.
Neste ano, as definições das candidaturas foram precedidas de embates internos que deixaram fraturas. Em alguns casos, foi necessária uma intervenção dos diretórios estaduais e nacionais dos partidos para debelar os conflitos.
“O Brasil tem uma realidade política complexa, onde há um conjunto de questões paroquiais. Mas a federação teve a maturidade de buscar uma solução política, a esmagadora maioria das decisões foram consensuais”, avalia Davidson Magalhães, coordenador do grupo de tática eleitoral do PC do B.
Ainda assim, os conflitos perduram em capitais como Aracaju, João Pessoa e Manaus. Na capital do Amazonas, o PT definiu a candidatura do ex-deputado Marcelo Ramos, mas parte dos líderes do PV vai apoiar informalmente Roberto Cidade (União Brasil), nome respaldado pelo governador Wilson Lima, também do União Brasil.
A situação é semelhante em João Pessoa. O PT prevaleceu nas instâncias internas e lançou a candidatura do ex-prefeito Luciano Cartaxo. Mas PC do B e PV seguem firmes no apoio à reeleição do prefeito Cícero Lucena (PP).
Em Aracaju, o PT homologou o nome da jornalista Candisse Carvalho sem negociação prévia, movimento que irritou os parceiros de federação, que questionam a viabilidade da candidatura.
Também houve arestas nas chapas proporcionais. Exemplo disso é Salvador, onde o único vereador do PV, André Fraga, é aliado do prefeito Bruno Reis (União Brasil) e não subirá no palanque de Geraldo Júnior (MDB), apoiado pela federação.
Na federação entre PSDB e Cidadania, o cenário de rusgas se repete. Em ao menos cinco capitais, líderes dos partidos devem tomar rumos diferentes.
O PSDB concorre em sete capitais e o Cidadania disputa em Manaus. Mas não houve consenso em São Paulo, onde os tucanos lançaram o apresentador José Luiz Datena, mas o Cidadania deve dar apoio informal ao prefeito Ricardo Nunes (MDB).
“Não tenho interesse de acompanhar alguém que não escolhi. Política é conversa, mas o que houve aqui foi uma imposição do Aécio Neves e Marconi Perillo”, dispara Nelson Teixeira, presidente municipal do Cidadania.
O abismo é ainda maior em capitais em que os partidos não terão candidato próprio, caso de Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba e João Pessoa.
No Rio, a federação decidiu apoiar Marcelo Queiroz (PP), mas o Cidadania ajudará na tentativa de reeleição de Eduardo Paes (PSD). O caso foi debatido nas três instâncias da federação e a decisão foi no voto, com prevalência dos tucanos.
O racha se estende a Porto Alegre, onde a decisão foi pelo apoio a Juliana Brizola (PDT), mesmo com resistência do Cidadania, que segue informalmente no palanque do prefeito Sebastião Melo (MDB).
Em João Pessoa, o Cidadania preferia Cícero Lucena, mas o PSDB prevaleceu e escolheu Ruy Carneiro (Podemos). O embate entre os dois partidos na Paraíba vem desde 2022, quando o governador João Azevêdo deixou o Cidadania devido à união com os tucanos.
Em Curitiba, a federação optou por não lançar candidato nem apoiar nomes de outros partidos. Líderes do Cidadania declararam apoio a Eduardo Pimentel (PSD) e os tucanos vão ficar neutros após a desistência de Beto Richa (PSDB).
A decisão do Cidadania estava consolidada desde fevereiro, mas o partido diz ter sido surpreendido com a pré-candidatura de Richa: “Não houve diálogo”, reclama Mirella Neves Ferraz, presidente municipal do Cidadania.
“É a primeira eleição municipal que estamos enfrentando neste formato. A eleição de 2022 não foi tão traumática porque eram 27 cenários políticos, e não mais de 5.000”, afirma o presidente nacional do Cidadania, Comte Bittencourt.
Ainda assim, ele classifica o saldo final como positivo. “A gente não conseguiu equacionar tudo, mas o resultado é razoável.”
Também houve embates na federação formada entre o PSOL e a Rede, com rusgas em capitais como Recife e Belo Horizonte. No desenho final do xadrez eleitoral, o PSOL lançou candidaturas em 16 capitais, enquanto o partido da ministra Marina Silva (Meio Ambiente) vai encabeçar chapa apenas em Porto Velho, capital de Rondônia.
A cientista política Lara Mesquita, professora da FGV, destaca que as federações foram criadas nacionalmente e as peculiaridades locais ficam mais evidentes em uma disputa municipal. Ainda que os partidos tenham um programa nacional, por vezes os partidos podem ter uma tradição local de disputa.
“Foram poucas as federações formadas porque não é um arranjo fácil. Exige muita coordenação”, avalia Mesquita, que diz ser natural que as legendas maiores controlem a definição das candidaturas majoritárias.
Ela lembra que PC do B, PV, Rede e Cidadania não teriam direito a receber recursos do fundo partidário e tempo de propaganda na rádio e na TV se não fizessem parte de uma federação.
“Exigir que os partidos maiores abram mão de seus candidatos em favor dos menores talvez seja um ônus grande e que até inviabiliza a federação. Os maiores, sozinhos, conseguiriam cumprir a cláusula de desempenho”, diz.
CATARINA SCORTECCI E JOÃO PEDRO PITOMBO / Folhapress