Feira do Livro abre ouvidos para entender audiolivro e podcast como literatura

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Feira do Livro apurou seus ouvidos na tarde deste domingo, seu segundo dia na praça Charles Miller, para dar atenção a um formato que tem crescido no mercado, o áudio.

Uma mesa protegida do frio inclemente, dentro do auditório no estádio do Pacaembu, reuniu a atriz Alice Carvalho, que acabou de narrar o romance “Coração Apertado” para a Supersônica, com a escritora Beatriz Bracher, que participou da gênese da empresa inteiramente voltada a audiolivros.

“Essa experiência abriu para mim a possibilidade de emoções além da leitura”, disse a atriz atirada aos holofotes pela série “Cangaço Novo” e a novela “Renascer”. “Eu era um corpo vivo ali, não alguém que conta o eu lírico, mas alguém que é ele de verdade.”

“Assim como a gente gosta de um livro bem editado, com bom papel, boa capa, uma tradução maravilhosa, tem que ser assim com a qualidade do audiolivro também”, afirmou Bracher, que além de escritora premiada é uma editora experiente com carreira em casas como 34 e Chão.

Ela apontou na primeira fila para Maria Carvalhosa, curadora da Supersônica que perdeu a visão na adolescência, e a mediadora Luciana Araujo Marques abriu o microfone a ela.

“Eu me incomodava com a ideia de que o audiolivro fosse só uma adaptação”, disse ela, acrescentando sem rodeios que achava os exemplos brasileiros ruins —hoje, empresas como Supersônica e Audible profissionalizaram mais o ramo e atraíram atores do quilate de Isabel Teixeira, Marcos Palmeira e Caio Blat.

“A voz era antes um obstáculo para chegar no texto real”, disse Carvalhosa. “No fundo, o texto é algo instável, ele muda muito de acordo com a pessoa que está lendo.”

Isso repercutiu de algo que Bracher falou mais cedo. Ela tinha lido “Coração Apertado” pela edição da finada Cosac Naify —hoje ele não tem editora como livro impresso, apenas áudio— e ficou espantada com a versão de Alice Carvalho. A protagonista, que lhe parecia frágil, adquiriu deboche e força na voz da atriz.

“Pensei, mas será que a Alice não está inventando um livro? Mas não, um romance pega de um jeito para cada um. O que você ouve é outro livro, fica espantado como aquilo que você leu pode ser belo e intenso.”

Carvalho apontou que o romance da francesa Marie Ndiaye, protagonizado por uma mulher negra em absoluta inquietação, a “tocou num lugar visceral”.

“Isso porque o tema é visceral para mim. Se a atriz fosse branca, essa pessoa não conseguiria passar isso na leitura, essa interpretação com a raiva que o racismo te deixa. E uma atriz preta retinta ou indígena teria outra camada de interpretação diferente da minha.”

De fato, uma mesma obra muda de acordo com seus diferentes formatos. Na tenda da praça, na mesma hora, o deputado português Rui Tavares falava sobre seu trabalho à frente do podcast “Agora, Agora e Mais Agora”, lançado pela Tinta-da-China como livro com o mesmo título.

“A equivalência entre pessimismo e seriedade é assassina para a esquerda”, disse o fundador do partido Livre sobre seu podcast bem-humorado. Ele afirmou que pregar para convertidos não é uma opção e que o mesmo roteiro não convence eleitores diferentes.

“Nossa ideia na bolha do ativismo é acreditar no movimento pelo movimento. Mas a obrigação de quem quer convencer é observar, ver as coisas do olhar do outro.”

Ele é contra a ideia de que as próximas gerações viverão pior do que as anteriores e tenta lutar contra o temor com armas inusitadas. No podcast —e, agora, no livro— ele trilha a história dos conceitos que culminaram no que se conhece hoje como direitos humanos.

A ideia evoluiu de crenças que Tavares tem desde pequeno, quando vivia numa aldeia com apenas outras 18 crianças. Ele acreditava que outra criança, na China ou no Brasil, poderia estar sentindo e pensando o mesmo que ele, no exato mesmo instante. Viria daí a ideia de que os humanos têm algo compartilhado.

Vem também da aldeia de Rufina a linguagem à qual Tavares recorre para contar as histórias que embalam o livro e o podcast —ele é adepto da máxima que sua mãe deve entender o seu TCC, o Trabalho de Conclusão de Curso.

Parte desse esforço envolve “desenciclopedizar” alguns clássicos —lembrando quando Immanuel Kant descreveu o grande terremoto de Lisboa, do século 18, como se a Terra estivesse com gases e eles estivessem sendo expelidos.

A Feira do Livro recebe ainda neste domingo, em mesas abertas e gratuitas, nomes como Rita Lobo, Tatiana Salem Levy, Claudia Piñeiro e Camila Sosa Villada.

BÁRBARA BLUM E WALTER PORTO / Folhapress

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