Feira do Livro tem abertura comovente ao debater luto com Christian Dunker

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Não passava nem do meio-dia e o público já abarrotava a primeira mesa que ocupou o palco principal da Feira do Livro, na praça Charles Miller, em São Paulo.

Era manhã de sábado de sol, mas os autores eram fortes chamarizes: a escritora Natalia Timerman, que tem alcançado um leitorado amplo com seus romances, e o psicanalista cada vez mais pop Christian Dunker.

E foi uma conversa de alto entrosamento, muito por causa da mediação feita pela cronista Tati Bernardi, colunista da Folha de S.Paulo que circula bem entre a literatura e a psicanálise —e entre os dois convidados.

A autora de “Depois a Louca Sou Eu” faz o podcast “Desculpe o Transtorno” com Dunker, que escreveu o recente “Lutos Finitos e Infinitos”, e ela chorou durante vários momentos da mesa.

Um deles foi quando Dunker contou de um sonho que teve com sua avó morta, um dos disparadores de suas reflexões em primeira pessoa sobre a finitude. Ele contou ter sonhado com uma festa surpresa para a parente, na qual dava um longo abraço que simbolizava a vontade de ter por perto outros familiares perdidos, como seus pais.

“Então uma hora veio meu avô e disse ‘chega, agora pode soltar, né?’”, lembrou, no que representava um empurrão no sentido da elaboração daquele luto. O livro tomou diversas formas e tamanhos, e Dunker disse que não sabia se conseguiria finalizá-lo, até que foi interpelado por sua filha, que aconselhou: “Pai, deixa a vó ir embora”.

Momentos emocionantes se intercalaram na mesa com risadas estrondosas, como é típico do transbordamento do luto. Por exemplo, quando Dunker contou o périplo para se desfazer das cinzas da mãe —não sabia que destino dar a elas e acabou levando numa viagem para Israel, num átimo. “Aí quando estava lá um amigo falou ‘cara, isso é crime internacional, tá cheio de gente carregando Uzi nesse país’.”

Acabou jogando as cinzas no Jardim das Oliveiras, no alto de um monte em Jerusalém. Mas bateu um vento e elas voaram todas no seu rosto.

Timerman também escreveu uma obra bem popular sobre luto, “As Pequenas Chances”, e a parte mais interessante da mesa revolveu em torno da elaboração da morte pela escrita. “Nos momentos de dor, é um alívio pelo menos pensar que vou escrever sobre aquilo.”

Bernardi intercedeu contando de uma palestra do autor americano David Sedaris, que perguntou, sincero, à plateia: “Vocês que não escrevem, o que fazem quando acontece uma coisa ruim com vocês?”

“A escrita é uma mistura do que controlo e do que não controlo”, disse Timerman, que também é psiquiatra. “Escrevi em oito dias as duas primeiras partes do livro. Depois que meu pai morreu, fluiu muito rápido. Antes, quando ele estava no hospital, eu não conseguia escrever nada. Mal grifava livros.”

Afinal, se a literatura pode oferecer conforto para tantos leitores, é evidente que o faz de maneira ainda mais intensa para seus autores.

A Feira do Livro continua até o próximo domingo, dia 7 de julho, com uma programação aberta e gratuita no Pacaembu, em São Paulo. Entre os convidados de maior destaque, ainda falam Camila Sosa Villada, Jamaica Kincaid, Rita Lobo, Martinho da Vila e Stênio Gardel.

WALTER PORTO / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTICIAS RELACIONADAS