SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um ano depois de ter sido ferida no ataque à escola Thomazia Montoro, na zona oeste de São Paulo, a professora Ana Célia da Rosa, 59, conta que não recebeu ajuda psicológica nem indenização financeira e não foi mais contratada pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) para continuar a dar aula.
Sem trabalho há três meses, a professora de história tem vendido Tupperware e bolo de pote para pagar as contas.
Rita Reis, 68, não conseguiu mais voltar para a sala de aula devido a problemas psicológicos que desenvolveu após a agressão. Ainda assim, ela não pôde se aposentar ou trocar de cargo.
As duas, assim como a professora Elisabeth Terneiro, que foi morta pelo estudante agressor de 13 anos, eram contratadas de forma temporária pela Secretaria Estadual de Educação e, por isso, não tinham os mesmos direitos trabalhistas que são assegurados a docentes efetivos.
“Eu fui atacada dentro da escola, não tive minha segurança garantida dentro do meu ambiente de trabalho. O governo não tem culpa pelo ataque, mas tem pelo que fez depois com as vítimas. Não nos deram nenhum apoio”, diz Ana Célia, que levou 17 facadas do aluno no dia 27 de março do ano passado. Uma terceira professora e dois alunos também ficaram feridos.
Os ferimentos fizeram com que ela ficasse afastada por 15 dias, mesmo período que o secretário Renato Feder definiu como recesso para a comunidade escolar se recompor da tragédia. “Saí do hospital e no dia seguinte voltei para a escola, me fizeram dar aula na mesma sala em que eu fui esfaqueada pelo menino”, lembra.
Mesmo com as lembranças ainda fortes da violência, a professora trabalhou durante todo o ano passado, até ter o contrato temporário encerrado em dezembro. Assim como havia ocorrido em anos anteriores, ela esperava conseguir novas aulas no início de 2024.
“Eu fiquei na mesma situação de milhares de professores que foram prejudicados com as novas regras de atribuição que o governo decidiu este ano. Dou aula há nove anos na rede estadual e nunca tinha ficado sem aula”, conta.
Mais da metade dos 162 mil professores das escolas estaduais é contratada de forma temporária. Em anos anteriores, a prioridade na distribuição das aulas daqueles com maior tempo de atuação na rede, ou seja, os mais experientes. Neste ano, o governo Tarcísio mudou a regra para priorizar aqueles que foram aprovados em concurso feito em 2023, após dez anos sem seleção.
“Eu fiz a prova e tive uma pontuação muito boa na parte objetiva e escrita da prova, mas não fui tão bem no vídeo que eles exigiram. Fiquei muito triste, porque eu tenho experiência, amo o que eu faço, mas fui eliminada por não saber mexer bem com tecnologia”, diz.
Ana Célia receia que não tenha conseguido aulas por ter decidido entrar com um pedido de indenização no fim do ano. “Várias escolas estão sem professor, inclusive a própria Thomazia Montoro, porque professores, traumatizados, saíram de lá depois do ataque. Não entendo por que não consigo aula.”
Rita Reis também foi atingida pelas facadas desferidas pelo aluno. Ela, porém, decidiu que não voltaria mais para a sala de aula porque teve crises de pânico e ansiedade.
“Eu amava dar aula, adorava estar com os alunos, ensinar. Mas, depois do ataque, eunão conseguiria lidar com o medo de uma criança voltar a me agredir”, conta.
Mesmo com os atestados médicos comprovando os transtornos, por ser temporária Rita não teve direito a se aposentar do cargo ou pedir para ser realocada em outro que não envolva contato com alunos.
“Eu me formei aos 55 anos e logo comecei a dar aula na rede. Eu amava que nas escolas nunca fui discriminada pela minha idade e imaginava que iria ficar em sala de aula por muitos anos, mas aí essa situação horrorosa aconteceu.”
“Agora, eu estou aqui com 68 anos sem nenhuma chance de conseguir outro emprego e sem aposentadoria. Estou usando o restinho do dinheiro que tinha guardado nesses anos.”
Assim como Ana Célia, ela diz não ter recebido suporte psicológico nem indenização pelos danos mentais e físicos que sofreu. Por isso, decidiu processar a Secretaria de Educação.
“O governo tinha a obrigação de garantir minha segurança naquele ambiente e falhou. Uma colega foi morta, um menino de 13 anos foi preso, a família dele foi destruída, os professores adoeceram. O governo não pode fingir que nada disso aconteceu.”
Conforme mostrou a Folha de S.Paulo, a responsabilidade do estado sobre a segurança de funcionários e alunos em casos de ataque está praticamente pacificada na esfera jurídica. Ainda que sejam considerados eventos de difícil previsão, a Constituição estabelece que a escola é responsável pela segurança da comunidade, por isso, estados e municípios devem reparar financeiramente as vítimas.
Diversos estados acabaram se adiantando aos processos de indenização e apresentaram um acordo extrajudicial às famílias, a fim de evitar valores de reparação muito altos. Foi essa a estratégia usada pelo então governador João Doria com as vítimas do ataque à escola Raul Brasil, em Suzano, ocorrido há cinco anos.
A gestão Tarcísio, no entanto, só decidiu propor o acordo depois de receber quatro ações de indenização relacionadas ao ataque na Thomazia.
Em nota, a secretaria diz que “relembra com pesar o ataque à escola Thomazia Montoro” e mantém ativo na unidade um serviço de atendimento psicológico individual e coletivo.
“O time de psicólogos da escola realizou mais de 60 atendimentos a professores e alunos, além de acompanhamento nas Unidades Básicas de Saúde de referência”, diz o posicionamento.
A pasta cita a oferta de 550 psicólogos para a rede o equivalente a 1 para cada 6.300 estudantes. “Além disso, atualmente, todas as escolas contam com pelo menos um Professor Orientador de Convivência (POC) e, este ano, está previsto um edital para a contratação de mais profissionais.”
A secretaria confirma que Ana Célia não foi classificada para ser contratada, mas diz que ela pode continuar tentando dar aula em outras escolas.
Sobre a situação de Rita Reis, afirma que a docente tem contrato ativo e é atendida por psicólogo do Centro de Referência e Apoio à Vítima, do estado.
Disse ainda que propôs às professoras que suspendessem os processos de indenização por 90 dias para que fossem feitas tratativas para um possível acordo extrajudicial.
ISABELA PALHARES / Folhapress