SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Seis vezes terceira colocada na prova de resistência Ironman –que consiste em nadar 3,8 km, pedalar 180 km e correr mais 42,195 km–, pentacampeã do Ironman Brasil e hexa do Troféu Brasil, a niteroiense Fernanda Keller, 60, é a pessoa brasileira mais vitoriosa na história do triatlo.
Ela é, até hoje, a única atleta do Brasil, entre homens e mulheres, a ter subido ao pódio do campeonato mundial disputado no Havaí, que teve sua primeira edição realizada em 1978.
Fernanda também é a única a ter se classificado por 23 vezes consecutivas –entre 1987 e 2009– para a temida prova na ilha no oceano Pacífico. Completou todas.
Acostumada a quebrar recordes, a triatleta agora se torna também a primeira da América Latina a ter seu nome incluído no Hall da Fama do Ironman mundial.
“Foi como um sonho [receber a notícia da inclusão], como se tudo o que fiz até hoje tivesse valido a pena. Um dos momentos mais importantes da minha carreira”, afirmou Fernanda.
A fluminense será condecorada duas vezes: no dia 19 de setembro, em Nice, na França, onde será realizada a disputa feminina, e em 23 de outubro, em Kailua-Kona, no Havaí, que receberá a prova masculina.
A divisão por gênero passou a ocorrer somente a partir de 2023, diante do crescimento da prova –cerca de 4.000 atletas, entre profissionais e amadores, participaram no ano passado, contra algumas poucas centenas nas primeiras edições, há quatro décadas.
Fernanda recordou que, quando começou a participar de provas da modalidade como profissional, em meados dos anos 1980, além das longas distâncias a percorrer, também precisou superar o preconceito e a desconfiança.
“Eu era muito criticada, duvidavam: ‘Será que vai conseguir, será que isso é para mulher?’, questionavam.”
Quase 40 anos depois, para celebrar seu aniversário de 60, em 2023, Fernanda esteve mais uma vez no Havaí para participar, pela 27ª vez, do campeonato mundial de Ironman. Esteve ao lado de um grupo de cerca de 50 brasileiras, entre amadoras e profissionais, que, dias antes da prova, realizaram uma pedalada guiada pela precursora do esporte no Brasil.
“Durante o passeio, ao ver aquela fila de mulheres, eu me lembrei muito de quando falavam para mim que aquilo não era para mulher. E ouvir elas me chamando de ‘rainha’, ‘inspiração’, foi muito, muito, especial”, disse Fernanda, com a voz embargada.
Na edição de 2024, ela não vai participar da competição devido aos preparativos relacionados às homenagens, mas pretende estar de volta à disputa no ano que vem. Apesar da idade e da alta exigência que a prova traz, a atleta não tem nenhuma o desejo de se aposentar.
Antes mesmo de completar 30 anos, quando estava no auge da carreira, ela já começou a ouvir questionamentos sobre quando deixaria de participar de competições. Por isso, decidiu que passaria a mentir sobre a própria idade.
“Comecei a ficar apavorada. Fiquei uns cinco anos com 28. Falei tanta mentira que até eu confundi minha idade”, lembrou. “A idade é só um número. Gosto de fazer o que faço, treino todos os dias, mas é lógico que com objetivos diferentes, você evolui.”
Segundo Fernanda, além do aspecto físico, os treinos contribuem para manter a saúde mental em dia. Para ela, em uma sociedade cada vez mais conectada virtualmente, o contato com a natureza é uma forma de restaurar as energias.
“O esporte nos conecta com a gente mesmo, com a natureza. No meu caso, ainda por cima, acredito que consigo me conectar com Deus.”
Keller também cultivou por meio do triatlo uma conexão com pessoas. Em sua opinião, mais do que as conquistas nos torneios de que participou ao redor do mundo, o impacto em jovens em situação de vulnerabilidade por meio do Instituto Fernanda Keller é o seu maior legado.
O projeto social completou 25 anos em 2023, já tendo atendido cerca de 6.000 crianças e adolescentes com a oferta de aulas gratuitas de triatlo e bolsas de estudo para cursos universitários, em parceria com a Yduqs.
“Ouvir de uma criança que a vida dela é completamente diferente porque ela teve a possibilidade de participar do projeto vale mais do que um troféu de Ironman, porque isso é realmente o que faz sentido na vida, a gente conseguir fazer essa diferença”, afirmou Fernanda.
“O mais importante é deixar um pouco mais de esperança, de fé, para que as pessoas acreditem mais nelas e se tornem vencedoras no que elas se propõem a fazer.”
LUCAS BOMBANA / Folhapress